quarta-feira, outubro 28, 2015

Mapas para as Estrelas (David Cronenberg, 2014)



Sem que isso represente qualquer tipo de spoiler, as estrelas do título Mapas para as Estrelas são as celebridades que movimentam (ou já movimentaram) a máquina de entretenimento de Hollywood. O título completo refere-se à rota a qual inúmeros turistas se submetem ao visitarem Los Angeles, interessados em conhecer o paradeiro dos seus astros favoritos. A galeria de personagens abordada pelo filme inclui o(a) estrela, o(a) agente, o(a) pretendente, o(a) assessor(a), o(a) fã e toda a esfera de sangue-sugas que orbitam esse universo de glamour.

Mesmo sem contar com um personagem ativo que represente essa estrela, um filme como Bling Ring (Sofia Copolla, 2012) me diz bem mais sobre Hollywood do que a abordagem direta que Mapas para as Estrelas faz dos bastidores do showbizz.

Bling Ring explora a influência bizarra que a busca incessante por fama e reconhecimento pode causar na vida de jovens aspirantes sem um horizonte consistente de perspectivas. A diretora Sofia Coppola aborda esse universo pela ótica do fã, construindo um cenário bastante melancólico da questão, que beira o absurdo.

A inconsistência dos valores compartilhados por esses tipos encontra na abordagem contida de Coppola o seu discurso mais eloquente. As invasões às mansões das celebridades à procura de pertences em seus guarda roupas representam a essência da futilidade que esses jovens insistem em idolatrar. O panorama de bestialidade se completa quando a figura dos pais entra em cena a fim de encorajá-los a seguir buscando esse modelo falido de ascensão social e/ou reconhecimento. A superfície cristalina desse mundo esconde um conteúdo totalmente oco.

Mapas para as Estrelas também aborda esse universo doentio, porém se vale de tipos bem mais caricatos para explorá-lo. Essa opção de abordagem causa um distanciamento da proposta, cuja extravagancia já se encontra intrinsicamente atrelada a ela (reflexo da própria natureza excêntrica da celebridade). A personagem da protagonista, Agatha, interpretada por Mia Wasikowska, é fraca demais para sustentar o peso do filme. Ela é o elo de ligação entre todo o restante, representando o bastião de sanidade que falta à outra parte do conjunto.

Mesmo não tendo me envolvido completamente com a proposta de Cronenberg, as palavras de Bruno Cursini para a Revista Interlúdio me ajudaram a melhor considerá-lo.

Antes de sabermos sua verdadeira identidade, o roteiro de Bruce Wagner insere outros personagens, nenhum dos quais capaz de causar simpatia. É como se aquelas paisagens – há muito transformadas em cenários – carregassem consigo alguma energia contagiosa e hábil em destituir seus habitantes de quaisquer sentimentos além daqueles mais primitivos. Em outras palavras, estamos diante de caricaturas repulsivas, à beira do insuportável: Havana Segrand (Julianne Moore) é uma decadente atriz tentando desesperadamente fazer o remake de um filme cujo original foi protagonizado por sua própria mãe. Neurótica, conforta-se em sessões regulares com um mezzo massagista mezzo guru – completo picareta – interpretado por John Cusack. Ele é pai tanto de um ator mirim dependente químico (Evan Bird) quanto de Agatha, fugitiva desde que ateou fogo na casa em que moravam. Para fechar o círculo de tão sutil trama, ela torna-se a faz-tudo de Havana. 

Seja por ter um transtorno mental previamente diagnosticado ou por ter passado uma longa temporada afastada daquele universo, Agatha permanecerá a pessoa pela qual pode-se crer em alguma forma de remissão. Com suas cicatrizes de queimadura pelo rosto e suas longas luvas pretas, ela é a única capaz de reconhecer (e reagir violentamente, por fim) a doença escamoteada por traz de toda aquela exterioridade asséptica. O incômodo que sua presença traz é por refletir, às claras, o que os outros escondem. Desfigurada e em algum estágio incerto de metamorfose, é ela a personagem que ligamos à filmografia de Cronenberg.  Ao novamente recusar a podridão ao seu redor, ela parte em busca de seu irmão. Estas ações (suas últimas) devem ser compreendidas como uma espécie de resgate, sendo talvez as únicas com alguma coerência – certamente as mais humanas que dali poderiam sair.

Nenhum comentário:

Postar um comentário