domingo, julho 19, 2020

Pandemia I

O que me manteve longe deste espaço por mais de 4 meses não foi a pandemia. Ultimamente, por mais que eu tivesse coisas a acrescentar a respeito das produções a que assisti, me faltou inspiração e determinação para escrever. Os últimos suspiros da dissertação de mestrado drenaram as minhas energias intelectuais de forma que manter este espaço me pareceu mais uma obrigação do que uma necessidade. Não foram poucas as vezes que ensaiei retomar o ritmo. Além disso, o período contou com a nossa mudança para a cidade de Nazaré Paulista, a fim de dar vazão a um projeto familiar, competindo da mesma forma pelo foco da minha atenção. Agora que as coisas começam a assentar, me sinto mais preparado para dar continuidade às escritas cinematográficas.

Já que o período de exclusão vem se estendendo quase que indefinidamente, vou me programar para registrar parte das produções que me trouxeram alguma necessidade de reflexão. Todas de forma bem breve.


Nascido em 4 de Julho (Oliver Stone, 1989) – o filme é bem melhor do que eu era capaz de me lembrar. Tom Cruise começa representando a si mesmo, mas se metamorfoseia visceralmente para encarar o petardo que caracterizou uma virada categórica em sua carreira. Primeiramente seu personagem desce ao inferno para só então se recuperar da ressaca moral em que se vê envolvido. A narrativa assume o seu ponto de vista (o filme é adaptado das memórias do verdadeiro Ron Kovic) do recrutamento ao regresso. Uma espécie de Os Melhores Anos de Nossa Vida (1946, William Wyler), só que bem mais cru – enquanto a II Guerra Mundial foi travada longe dos EUA, as famílias jantavam com as cenas do Vietnã. Ainda não vi Amargo Regresso (Hal Ashby, 1978) que deve lhe fazer uma bela companhia. A Guerra do Vietnã é a cicatriz aberta norte-americana que ainda não parece esgotada, vide a última investida de Spike Lee, Destacamento Blood (2020), que encontra novos caminhos para ser explorada.


Calafrios (David Cronenberg, 1975) – estou retornando ao início da carreira de Cronenberg, que ainda não havia explorado. É impressionante como o viço da sua marca já se fazia presente desde os primórdios. Um filme de terror B, com uma trama fantástica (embora a pandemia tenha redefinido o significado de absurdo), que funciona perfeitamente bem nas mãos de quem sabe o que está fazendo. Ainda que eu o tenha assistido no início do período de reclusão, só agora que consegui fazer a ponte com o Corrente do Mal (2014), de David Robert Michell - havia visto mais John Carpenter inicialmente, mas me parece ser mais Cronenberg, ou melhor, a temática de Cronenberg com o estilo de Carpenter. Que filme sensacional! Não é para todos os gostos, é verdade, mas é cinema em estado puro.


O Estripador de Nova York (Lucio Fulci, 1982) – meu primeiro Fulci. As sessões de filme de terror andam em alta aqui em casa – só de minha parte, já que minha esposa não gosta. Só esse gênero mesmo para lidar melhor com a realidade. Parte do que escrevi para Calafrios vale aqui também. A estilização dos quadros contrasta com a pobreza da narrativa. Tudo não passa de uma grande desculpa para enfileirar uma morte espetacular atrás da outra. A voz de Pato Donald do assassino é tão estúpida, mas há que se reconhecer que ela funciona bem nesse contexto. Quem se pauta pelo conteúdo, deve sair frustrado, já quem se pauta pela forma, a experiência é absolutamente recompensadora.

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