Tio Bonmee, que pode recordar
suas vidas passadas (Apichatpong Weerasethakul, 2010) – eu gosto muito
de viajar, seja por meio do deslocamento físico ou dos filmes. O deslocamento
físico nem sempre é possível - compromissos, trabalho -, já os filmes me
permitem alcançar, com relativa freqüência, lugares que nem meus sonhos mais
estapafúrdios seriam capazes de me oferecer. Tio Bonmee me levou para conhecer um deles e nessa excursão minha
mala voltou repleta de memórias inesquecíveis: as imagens mais marcantes que eu
vi no ano.
Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)
– Kiarostami foi até a Itália de Roberto Rossellini, cuja influência em seu
trabalho é amplamente discutida, pra dar continuidade ao seu projeto de cinema.
Ele deixou o Irã pra abrigar seu novo projeto, mas o Irã não saiu dele – uma
aula de como fazer um filme longe de casa preservando a essência do seu olhar: ele
não se entrega às armadilhas da empreitada.
Além da Vida (Clint Eastwood, 2010)
– eu sei que esse filme não agradou muita gente, o que eu lamento
profundamente. As cenas em que Matt Damon e Bryce Dallas Howard contracenam são
impecáveis/perfeitas, poucas vezes um encontro fortuito foi tão dotado de
“verdade” – elas representam o que houve de melhor no cinema deste ano. Eu
concordo que o filme seja irregular e o segmento do menino enfraquece o
conjunto, mas nada como a direção segura de Clint Eastwood pra evitar que o
filme descarrile. A morte continua a espreitar seus personagens.
Singularidades de uma Rapariga
Loura (Manoel de Oliveira, 2009) – Eça de Queirós parece ter encontrado
o parceiro perfeito para transpor seus textos irônicos e elegantes para as
telas: Manoel de Oliveira. Ao texto adaptado Oliveira acrescenta uma aura
atemporal, embaralhando nossa percepção do tempo. Tudo com recursos ínfimos e
em apenas 63 minutos.
A Pele que Habito (Pedro
Almodóvar, 2011) – Almodóvar deixa a zona de conforto dos últimos
filmes (Volver, 2006, e Abraços Partidos, 2009) pra mergulhar de
cabeça no universo noir dos filmes
americanos B de terror e ficção científica, sem abandonar as cores que fizeram
a fama de suas películas. O típico filme que nos pega no contrapé: corremos em
seu rastro certos de que vamos alcançá-lo, mas sua astúcia e sagacidade estão
aquém da nossa compreensão.
A Árvore da Vida (Terrence Malick,
2011) – o filme inevitável da lista. Uma espécie de 2001, Uma Odisséia no Espaço (Stanley
Kubrick, 1968) dos nossos tempos numa abordagem mais filosófico-religiosa
(cristã). Ambição ou petulância? O célebre diálogo entre Joe Gillis (William
Holden) e Norma Desmond (Gloria Swanson) em Crepúsculo
dos Deuses (Billy Wilder, 1950) me vem à cabeça quando alguém propõe essa
questão:
Joe Gillis: You’re Norma
Desmond. You used to be in silent pictures. You used to be big.
Norma Desmond: I am big. It’s
the pictures that got small.
Um filme que reluta em ser
adorado, mas impõe respeito.
Melancolia (Lars von Trier, 2011)
– daqui um bom tempo ninguém se lembrará das declarações polêmicas do senhor
von Trier no Festival de Cannes deste ano. Infelizmente, elas desviaram o objeto
da discussão para o nada e o filme propriamente dito ficou em segundo plano.
Uma pena, eu o trocaria por todos os disaster
movies que Hollywood produziu em escala nos últimos tempos. Se já não somos
melancólicos, é certo que ainda seremos. A sequência de abertura é um assombro:
um verdadeiro curta-metragem que serve perfeitamente ao filme e tem vida
própria.
O Garoto de Bicicleta (Jean-Pierre
e Luc Dardenne, 2011) – um verdadeiro filme de ação como bem colocou
Filipe Furtado, “cada ação leva
naturalmente à ação seguinte, sem que um plano seja desperdiçado, não por uma
simples questão de eficiência narrativa, mas por uma crença do que o que está
na tela é tudo aquilo que é necessário revelar sobre a existência daquele
garoto”. Embora o garoto seja o centro da narrativa, a personagem de Cécile
De France me desconcerta – o sol, enfim, prevalece em um filme dos irmãos
Dardenne.
Ricky (François Ozon, 2009)
– eu fiquei em dúvida entre esse filme de Ozon e o Meia Noite em Paris (2011), de Woody Allen. Antes que alguém me
alerte a respeito da comparação meio esdrúxula, ambos possuem um elemento
fantástico que de certa forma os aproxima. O filme de Woody Allen é mais
divertido, mas o filme de Ozon me exerce um fascínio bem menos pensado (mais espontâneo) – ele funciona
meio que por acidente, flertando constantemente com o desastre completo da
proposta. Sem desmerecer meu querido Woody Allen, a ousadia dele não chega a
tanto.
Trabalho Interno (Charles
Ferguson, 2010) – a frase promocional do documentário é a mais honesta
possível: “If you’re not enraged by the end of
the movie, you weren’t paying attention”. É o atestado oficial de que a
corrupção não é uma patente brasileira. Pra ficar indignado, basta colocar o
filme pra rodar. Uma lista de maiores vilões do cinema sem Trabalho Interno não merece crédito.