Luz nas Trevas
Mais uma vez, não fosse o SESC e
seu festival de melhores filmes só o Canal Brasil para resgatar Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha do limbo. Por sorte, o filme foi
selecionado para integrar o calendário do evento em Ribeirão Preto, exibindo
longas-metragens selecionados do circuito comercial de 2012.
É curioso observar como dois
cineastas que fizeram fama nos anos 60, Rogério Sganzerla e José Mojica Marins,
a partir de duas figuras icônicas que passaram a integrar o imaginário
nacional, Bandido da Luz Vermelha e Zé do Caixão, respectivamente, adotaram
praticamente a mesma via para ressuscitar
seus personagens um pouco mais de 30 anos depois deles despontarem nas telas. O
bandido voltou pelas mãos da esposa do falecido Rogério Sganzerla, Helena Ignez,
dividindo a direção com Ícaro Martins Jr. em Luz das Trevas (2010), e Zé do Caixão reencarnou na pele do próprio Mojica Marins, sob a sua supervisão
em Encarnação do Demônio (2008). A bela
fotografia de José Roberto Eliezer reforça as semelhanças entre os filmes. Embora
a produção de Luz nas Trevas seja
posterior ao falecimento de Sganzerla, o roteiro é de sua autoria.
As primeiras imagens dos dois
filmes dedicam-se a estabelecer o paradeiro de seus (anti) heróis: ambos estão encarcerados
em presídios de segurança máxima, afastados das transformações pelas quais o
país foi submetido (ou submeteu-se?) nas últimas quatro décadas. O Brasil já é
outro, mas ainda é o mesmo. A partir do mesmo rol enxuto de personagens, centrado
nas figuras cartunescas de autoridades, como a polícia e os políticos, os
cineastas pintam o Brasil com as cores da violência e da corrupção, sob um
verniz deliberadamente debochado. Como bem pontuou José Geraldo Couto em seu
texto de 28/09/10, Luz nas Trevas do
cinema, “o que era paródico no primeiro Bandido
ganha um grau a mais de ironia e derrisão”. Antes havia a ditadura pra
chancelar essas práticas, agora...
Ainda que o bandido,
surpreendentemente interpretado por Ney Matogrosso, permaneça quase todo o
filme atrás das grades, Sganzerla tira da cartola um filho bastardo, o
assaltante Tudo ou Nada, que se esforça para seguir os passos de outrora do pai.
Em liberdade, ele se alia a edição mais nova da antiga anti-heroína Janete
Jane, interpretada pela filha de Helena Ignez e Rogério, Djin Sganzerla, e
explora essa condição até as últimas consequências. A tragédia caminha de mãos
dadas com a dupla de transgressores, fortemente influenciada pelo par Jean-Paul Belmondo e Anna Karina de O Demônio das Onze Horas (Jean-Luc Godard, 1965) – o original já trazia essa referência.
Como já se passara com O Bandido da Luz Vermelha, é a forma que
confere à Luz nas Trevas o caráter
libertário, jovial, fluente, pulsante, vívido que o caracteriza, capaz de
seduzir os espectadores iniciados com a mesma contundência que o mais tarimbado
dos cinéfilos. De José Geraldo Couto vem outra bela passagem, ao registrar a
forte presença de Sganzerla em cada plano de Luz nas Trevas, “em especial nas perseguições, filmadas com a
câmera acoplada à lateral do automóvel em ligeiro contra-plongé, em cada linha de diálogo, em cada nota da trilha
sonora (brilhantemente organizada por sua outra filha, Sinai Sganzerla, com
trechos de Jimi Hendrix, Jorge Benjor, Gil, ópera, samba, bolero). Está
presente sobretudo no uso da luz não para revelar uma imagem dada, mas para
criá-la; no uso do som como contraponto transformador da luz; no uso da
montagem como dispositivo multiplicador de sentidos.”
A Busca
Depois de tanto estardalhaço que
se fez na comparação do cinema brasileiro com o argentino, prevalecendo nas
avaliações a qualidade do segundo sobre o primeiro, parece que finalmente foi
produzido um exemplar nacional com a cara de produto argentino. Antes que eu
seja mal interpretado, deixe-me esclarecer um ponto: eu sempre achei essa
“rixa” totalmente improdutiva, mais apropriada para lidar com as divergências
futebolísticas do que artísticas, com efeitos mais deletérios do que
propriamente vantajosos para os problemas enfrentados pela produção nacional.
E, por mais que os hermanos tenham
emplacado uma sequência de filmes merecedora de atenção (sobretudo no início da
década de 2000), os bons fluidos já não reverberam com a mesma intensidade.
Não é difícil desqualificar o
filme, que se ancora em seu talismã, Wagner Moura, o nosso Ricardo Darín, pra
fazer algumas cenas funcionarem na marra. Entre trancos e barrancos, elas
acabam funcionando. Desconfio que se eu não estivesse vivenciando o processo de
paternidade neste momento, minha tolerância para os “defeitos” do filme teria sido infinitamente
menor.
A crítica do Filipe Furtado para
a Revista Cinética dá conta do recado.
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