sábado, agosto 10, 2013

Tabu (Miguel Gomes, 2012)






Lamento não ter assistido ao Tabu (1931) de F.W. Murnau antes do Tabu (2012) de Miguel Gomes. Pela breve descrição da trama encontrada em alguns dos User Reviews do site IMDB é certo que a semelhança entre os dois filmes vai muito além do título. Caso eu o tivesse visto, provavelmente a minha experiência teria sido enriquecida uma vez que eu teria outro (excelente e fundamental) parâmetro para construir a minha percepção. Parece-me que a influência de Murnau extrapola a esfera do título e da trama, manifestando-se, sobretudo, na forma.

Sempre que penso na discussão da forma no cinema me lembro dos anos em que meu interesse pelos filmes extrapolou o âmbito das imagens e foi de encontro ao papel desempenhado pela crítica. Meu gosto pela leitura surgiu nessa época, estimulado pelas questões que só um texto bem redigido é capaz de levantar. Como era de se esperar, a minha relação com a sétima arte só veio a se aprofundar a partir dessa ocasião. Confesso que levei um bom tempo para compreender a razão pela qual a forma era mais celebrada do que o conteúdo. Depois que a ficha caiu, um novo horizonte se abriu trazendo consigo um grau de amadurecimento nem sempre desejado, que se manifestava sempre que o novo discernimento se dispunha a expor as engrenagens dessa enganosa fábrica planejada de sonhos e fantasias - só os bons diretores fazem bom uso desse recurso, que nada mais é do que a manipulação pura e simplesmente.

Depois dessa breve introdução, necessária para o desenvolvimento do raciocínio, vamos ao que interessa. O Tabu de Miguel Gomes serve como um bom exemplo que pode ser muito bem empregado sempre que a discussão forma/conteúdo vem à tona. O que faz essa produção pairar sobre outras que também se prestam a fazer um relato de uma aventura amorosa num tempo remoto é justamente a forma adotada por seu diretor para conduzir essa história banal. Do ponto de vista do conteúdo ela tem pouco a acrescentar ao provável universo de experiências do espectador, mesmo quando se pensa em iniciados. O uso do preto e branco, da janela (aspect ratio) 1.33:1 e do mudo talvez sejam os aspectos mais óbvios, ainda que extremamente necessários e pertinentes, a justificar esse argumento, sendo os dois primeiros responsáveis pela “cara” do filme. A memória e a lembrança, fundamentais na segunda parte, materializam-se perfeitamente no tom acinzentado da fotografia, bem como na corajosa decisão de subtrair o som dos diálogos dos personagens – assim como se dá com os nossos sonhos! A narração melancólica e pausada do próprio Gomes infunde um ar saudosista ao relato, radiofônico, reforçado pelas intermitentes apresentações do grupo musical (anacrônicas, mas não menos que inspiradas). Esse conjunto de decisões é tão bem costurado pelo diretor que funciona maravilhosamente bem.

O que mais chama a atenção em Tabu é a forma como a segunda parte, ambientada totalmente na África, se manifesta na primeira, uma Lisboa representada como uma verdadeira selva de pedra. O que nos parece estranho num primeiro momento, adquire significados consistentes na segunda parte, reverberando uma inconsciente herança colonialista portuguesa. Relativamente branda, é verdade, porém perfeitamente ativa. O papel da doméstica Santa (Isabel Cardoso) é a prova cabal dessa frutífera relação. Dessa forma, Miguel Gomes expõe as engrenagens dessa enganosa fábrica planejada de sonhos e fantasias sem perder de vista o viés crítico que distingue os bons dos maus cineastas. Ah, sem falar do uso refinado que ele faz do humor.

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