sábado, novembro 30, 2019

Parasita (Boog Joon-Ho, 2019)


É inegável que o filme de Bong Joon-Ho exerce um vigoroso poder de sedução no espectador, com um viés para o entretenimento que é invejável. O miolo do filme, que se passa praticamente todo na casa dos patrões, tem alguns episódios que são realmente inspirados – uma parte dessa vocação para o espetáculo lembra-me muito Steven Spielberg, cuja filmografia mais recente demonstra um espírito crítico mais aguçado. Nesse meio do caminho, os personagens da família do “andar de baixo” já exploraram a amplitude dramática dos seus papéis, exatamente quando um elemento “externo” (posteriormente, esse adjetivo assume a condição de "interno") aparece para desestabilizar as conquistas desse núcleo central de tipos. Embora as análises do filme acabem se pautando pelo discurso social que ele provoca, confesso que não é exatamente isso que me chama a atenção nele - o que não quer dizer que essa questão seja desprezível.

Filipe Furtado, mais uma vez, descreve com desenvoltura o que mais me chamou a atenção no conjunto do filme. O odor, o cheiro, que, por razões óbvias, costuma ser negligenciado pelos cineastas, encontra uma abordagem muito criativa nas mãos de Bong Joon-Ho. Curioso que quem desperta a atenção para esse ponto é uma criança – taí um dos pontos de contato com a obra de Spielberg!

Por Filipe Furtado

“É esta noção de teatro social que o filme retoma o tempo todo e a sua força vem das implicações que ele retira dela. Há uma ideia recorrente por todo Parasita que é a do cheiro. O odor separa patrões e trabalhadores e ameaça denuncia-los quando os segundos se escondem dentro da casa. “O motorista fede”, o patrão reclama para a esposa e nesse momento não só a distância entre eles aumenta e a possibilidade reconciliação de classes se desfaz, mas qualquer encanto com a figura dos patrões se vai com ela, daquele momento em diante Parasita deixa de ser uma alegoria pretensamente equilibrada, a constatação de que o odor do outro incomoda equivale a uma declaração de guerra e o filme toma um lado. Como o crítico americano Steven Erickson mencionou numa conversa comigo, o cheiro é algo que escapa da mímese cinematográfica. Se tudo aqui reproduz uma lógica social, o cheiro não pode ser representado. É o único elemento que não pode ser encenado no teatro social. Os gestos reproduzem a ordem social, mas o odor agride. Um bug no sistema, uma quebra no aparato cinematográfico.”

sábado, outubro 12, 2019

A impossibilidade do encontro (Michelangelo Antonioni e Paul Schrader)


O Dono da Noite (Paul Schrader, 1992)

O Eclipse (Michelangelo Antonioni, 1962)

A impossibilidade do encontro, a barreira física que separa os casais! A segunda imagem eu já havia usado no post de O Eclipse.

segunda-feira, setembro 30, 2019

Bacurau (Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, 2019)


E mais uma vez Kléber Mendonça Filho nos entrega um filme memorável. Eu o assisti já faz uma semana e meia e, a prior, nem escreveria nada sobre ele. Mas a experiência permanece crescendo na minha memória de forma que pretendo registrar algumas impressões.

É sempre estimulante quando um filme brasileiro autoral “cai nas graças” do público e vira motivo de conversa de botequim. O autoral aqui não deve ser levado ao pé da letra, já que Kléber divide a direção com Juliano Dornelles, o que pode anuviar os limites da influência de cada um dos colaboradores no resultado final. O emprego do termo é só para distinguir a produção daquelas que gozam de um cunho mercadológico mais explícito.

Quando a crítica já mencionava o cinema de John Carpenter como referência para explorar algumas partes de O Som ao Redor (2012) eu confesso que achava um pouco forçado, muito embora a minha aproximação com a produção do cineasta norte-americano só tenha começado a aflorar de fato nessa mesma época. Foi só a partir do segundo semestre de 2012 que comecei a correr atrás da filmografia de Carpenter com mais afinco. Sendo assim, eu não dispunha de repertório suficiente para refutar essa afinidade que hoje me salta aos olhos.

Bacurau deixa essa referência bem visível, bebendo na fonte de Assalto ao 13º DP (1976), ainda que a temática explorada por Carpenter nele já fosse uma releitura de Onde Começa o Inferno (1959), de Howard Hawks, que parodiava o Matar ou Morrer (1952), de Fred Zinnemann. Além da música emprestada de forma escancarada - os famosos sintetizadores das trilhas compostas pelo próprio John Carpenter -, o flerte com um filme B de terror intercalado por momentos de humor é outra marca registrada. A postura política bem definida é outro ponto de convergência, que assume um posicionamento mais agudo nas mãos de Kléber Mendonça Filho: ele se apropria muito bem das convenções do western em favor da cultura interiorana pernambucana (talvez nordestina, mas aí eu não tenho propriedade para afirmar). Tendo a acreditar, inclusive, que esse “diálogo” com o cinema de gênero seja um dos grandes responsáveis pela boa recepção do filme junto ao público. A despeito de a embalagem ser essencialmente americana, o conteúdo é essencialmente brasileiro.

Contudo, mais do que essa notória herança carpenteriana, outra referência mais contemporânea me invadiu a memória enquanto assitia a Bacurau: a trilogia criada até então por James DeMonaco, que explora um “expurgo humano” (The Purge) legitimado pelo Congresso norte-americano em que “todo e qualquer crime é legal em um período de 12 horas”. Os títulos são Uma Noite de Crime (2013), Uma Noite de Crime: Anarquia (2014) e 12 Horas para Sobreviver: O Ano da Eleição (2016). Sempre considerei a ideia bem inspirada, um excelente ponto de partida, muito embora a execução e os desdobramentos dela sejam absolutamente decepcionantes. Nenhum dos filmes consegue romper a barreira da premissa e assumir a responsabilidade pela alta carga política que eles sugerem. Todos eles têm momentos interessantes, que infelizmente não se convertem em experiências memoráveis.

Em Bacurau essa premissa é alçada a outro patamar e ganha vida na insurreição perpetrada pelos seus habitantes (o filme leva o nome da cidade) contra um bando de sádicos estrangeiros e brasileiros, inclusive, que querem exterminá-los em nome de diversão/entretenimento/adrenalina. A composição dos tipos que habitam os dois grupos, embora estereotipada - condição que o cinema de gênero acolhe com naturalidade -, vem junto com uma boa dose de humor que contrabalanceia a gravidade da proposta, potencializando o seu caráter irônico (a cena do casal cômico de idosos nus que se defendem de uma investida e a estrangeira agonizando enquanto se comunica por intermédio de um aparelho sonoro que traduz suas falas representam o ápice dessa intenção). Esses aspectos bizarros só provocam mais simpatia pelos personagens representados e acionam o “modo” gostei do público.

terça-feira, setembro 24, 2019

Tucker: Um Homem e Seu Sonho (Francis Ford Coppola, 1988)




Ainda me falta assistir alguns filmes de Francis Ford Coppola, sobretudo as primeiras produções, quando a sombra de Roger Corman se fazia mais presente. Das produções oitentistas, Tucker sempre me despertou a atenção, embora eu enfrentasse dificuldades em encontrá-lo em boas condições para assistir. Tucker nunca foi um filme muito celebrado, de fácil disponibilidade e, curiosamente, muito comentado. É certo que a sombra dos Chefões e a saga prolongada de Apocalypse Now foram capazes de ofuscar o brilho desta obra-prima elegante (fotografia de Vittorio Storaro e production design de Dean Tavoularis) e verdadeiramente energizante. Um tour de force impressionante de Jeff Bridges como alter ego de Coppola, interpretando o sonhador independente Preston Tucker, num embate memorável da criatividade, persistência e determinação contra as forças inabaláveis do status quo. O discurso final de Preston Tucker no tribunal defendendo-se da acusação de uso irresponsável de dinheiro público para construir um protótipo de carro do futuro é absolutamente antológico: uma daquelas circunstâncias em que a defesa do sonho americano encontra terreno fértil para expandir o seu verdadeiro legado. Martin Landau é outro dos trunfos da produção, humanizando o papel do habitual homem-do-dinheiro.

sábado, julho 27, 2019

Shampoo (Hal Ashby, 1975) e Regras Não Se Aplicam (Warren Beatty, 2016)


As filmagens de Shampoo começaram em janeiro de 1974. Se Shampoo era o trabalho autoral de alguém, esse alguém é provavelmente Beatty. Ashby estava em desvantagem desde o começo. Beatty tinha colocado pessoas de sua confiança em todos os postos-chave da equipe e Hal não tinha aliados, somente o montador Bob Jones. “Hal odiava autoridade e nesse filme Warren representava a autoridade”, diz Charles Mulvehill (produtor executivo). “Era o filme dele. Hal era um maníaco por controle, só que sem controle.”
Como a Geração Sexo, Drogas e Rock n´Roll Salvou Hollywood, Peter Biskind (pg. 202)

Foi coincidência enfileirar dois filmes de Warren Beatty (embora Shampoo seja dirigido por Hal Ashby, a sombra de Warren Beatty se faz muito presente na produção – a introdução do post explora um pouco essa questão). Primeiro veio Regras Não Se Aplicam, uma semana depois Shampoo – involuntariamente inverti a ordem das coisas. Duas produções separadas por aproximadamente 40 anos que, curiosamente, proporcionam uma avaliação crítica da misoginia em suas respectivas épocas. E, no que diz respeito a elas, refiro-me ao zeitgeist de suas produções, não ao período em que se passam as suas respectivas narrativas. Sendo assim, Regras Não Se Aplicam vale para o ano de 2016 e adjacências, não para a década de 1940. Shampoo se passa no crepúsculo do governo de Richard Nixon, justamente quando o filme estava sendo produzido – espírito da época da produção coincide com o da narrativa.

Naturalmente, os filmes não se prestam apenas a isso. Eles valem mais do que essa observação a que me dedico fazer alguns comentários.

Warren Beatty (diretor) explora a misoginia de Howard Hughes em Regras Não Se Aplicam pela via mais branda, retratando o milionário empresário/produtor/aviador/industrial como um homem pitoresco, infantil, difícil, ainda que divertido, absolutamente suavizado pela caracterização impagável de Warren Beatty (ator). As excentricidades do personagem não são exatamente negativas, são elas que proporcionam os momentos de alívio cômico da produção, mesmo em situações mais graves (spoiler) - como na gravidez indesejada de uma personagem importante na trama. Esse distanciamento temporal da narrativa com o tempo presente permite a Warren Beatty “brincar” com a questão sem se ver “envolvido” com ela.

Shampoo chama a atenção pela forma escancarada com que o personagem de Warren Beatty, principalmente, e o personagem de Jack Warden, da mesma forma, manifestam sua indiferença pelas mulheres. A narrativa do filme busca uma possível encenação para dar conta dos tempos sombrios que se avizinhavam (a eleição de Richard Nixon no plano narrativo e o exercício do seu mandato no momento da produção, já desgastado pelo escândalo de Waltergate), ao mesmo tempo em que joga uma pá de cal no movimento de contracultura e liberação sexual, vivenciados em sua plenitude na década anterior. Essa sensação de reprovação experimentada hoje, de abuso da condição patriarcal, teve nos anos 70 o auge do seu exercício. Existe uma tensão curiosa que se manifesta “fora” do filme, e de certa forma enriquece a sua fruição, que diz respeito ao próprio Warren Beatty: o narcisismo do ator que encomendou o projeto, se divertindo com as mulheres à custa de seu personagem (embora o “discurso da produção” vá em direção contrária a essa postura, ou pelo menos sugere ir). Documento comportamental precioso de uma época que estabeleceu o apogeu criativo de uma geração de cineastas.

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Involuntariamente, sem me dar conta dessas conexões, emendei uma semana depois o Corações Loucos (1971), do Bertrand Blier. Aí o bicho pega! Que filmaço, gostei demais. A liberdade, tão almejada e valorizada em sua escassez, se veste de desconcertante e perturbadora quando em abundância. Interpretação antológica de Gérard Depardieu, em estado de graça, que estabeleceu o seu lugar junto aos grandes atores franceses. Embora o seu personagem e o de Patrick Dewaere sejam misóginos, estúpidos, o entorno deles não oferece salvação/redenção alguma. O isolamento e a alienação são experimentados por todos os personagens, embora essa percepção só amadureça da metade do filme pra frente. A cena da amamentação no trem chega a ser deprimente por isso e a empatia do espectador em relação à mãe parte da indignação, num primeiro momento, para a piedade/compaixão, num segundo momento. Esse pêndulo emocional perpassa toda a narrativa, de um impacto inicial intenso, acentuado, para uma atenuação gradativa da ira, da inconformação.

Duas gigantes atrizes habitam o filme: Jeanne Moreau, enigmática como de hábito, em clima de despedida, provoca uma espécie de relaxamento nos personagens do filme, um apaziguamento do ímpeto libertário exacerbado (sua marca registada de outrora), oposto ao efeito lesivo despertado em sua personagem; Isabelle Huppert, em início de carreira, já carregava o gene da transgressão.

domingo, julho 07, 2019

Results (Andrew Bujalski, 2015)




Levei um tempo para entrar no clima de Results. O filme não se entrega tão facilmente ao espectador. Leva mais de hora para entendermos que se trata de uma comédia (romântica???); o transtorno comportamental do personagem de Kevin Corrigan e a rigidez da personagem de Cobie Smulders reforçam a impressão de um drama, dissipada apenas pelo otimismo exasperado do personagem de Guy Pearce. Porém, pouco a pouco, o arranjo de relacionamentos proposto por Andrew Bujalski começa a tomar forma, reservando uma grata surpresa após a outra, ao optar por caminhos narrativos absolutamente inesperados.

Os atores abraçam a proposta com tanta paixão e desenvoltura que, findada a sessão, já estava eu buscando outras produções de Kevin Corrigan e Cobie Smulders, tamanha a minha admiração pelo trabalho dos dois e a vontade de acompanhar a evolução de suas carreiras. Guy Pearce não fica atrás, mas a sua trajetória já goza de uma exposição midiática mais ampla. Esse foi o meu primeiro filme de Andrew Bujalski, que já entrou no meu radar de prioridades da mesma forma.

Os três personagens exibem logo de cara as suas fraquezas, expondo de forma transparente os conflitos gerados pela sua interação. Essa opção reforça no espectador a representação estereotipada dos mesmos, de forma que algumas das suas ações tendem a ser vistas pelo lado grotesco (em algum ponto entre o mau gosto e o constrangedor). Quando a corda rompe de vez, em razão da dificuldade de relacionamento entre as partes (todas as relações são mediadas por contratos: trabalhista; usuário x prestador de serviços; cliente x fornecedor), o filme quase sai dos trilhos. Só posteriormente percebemos o quanto Andrew Bujalski estava no controle de toda a situação.

No final das contas, os personagens só existem por suas imperfeições. O pay off dessas diferenças não vem de súbito, como uma espécie de revelação bombástica, ele vai sendo gestado aos poucos num nó que leva tempo para desatar. Em nenhum momento Bujalski vende o que não consegue entregar: não esqueçamos que se trata de um filme, não da vida real; uma criação artística que necessita “dialogar” com o público o tempo todo a fim de não perdê-lo. Mas ninguém pode acusá-lo de covardia, Bujalski aposta alto, explora as convenções do gênero de forma inusitada, para no fim chegar ao mesmo ponto (ou, alcançar o mesmo resultado). Aqui, o caminho alternativo é que faz a diferença!

sábado, junho 29, 2019

Batman Returns (Tim Burton, 1992)





Selina Kyle (Michelle Pfeiffer): Honey, I´m home!!!... Oh, I forgot I´m not married!


Embora eu me divirta com os filmes de super-heróis que estreiam às pencas nos cinemas, nunca fui um verdadeiro entusiasta do “gênero cinematográfico”, nem tampouco um leitor voraz dos gibis que o originaram. Minha via de acesso ao universo dos super-heróis foi por meio do cinema, filtrado pelos desenhos animados que se intercalavam na programação matinal da TV aberta nas décadas de 80 e 90. Sendo assim, meu conhecimento a respeito do assunto é parco, nem um pouco aprofundado, o que caracteriza o meu viés de análise preponderantemente pela ótica cinematográfica – em detrimento do repertório original construído em torno das publicações das revistas em quadrinhos.

Ainda que eu já flertasse com a ideia de escrever um post dedicado a esse “gênero”, confesso que as produções contemporâneas não me instigavam suficientemente a ponto de me entusiasmar a fazê-lo. Foi a pequena matéria de Brian Tallerico para o site de Roger Ebert, cobrindo o lançamento da primeira leva dos filmes do Batman em 4K (Batman, Batman Returns, Batman Forever e Batman & Robin), que serviu de desculpa para eu explorar as minhas preferências relacionadas a esse universo. Mesmo com todo o aparato tecnológico a serviço dos estúdios hoje em dia, foram as produções anteriores ao boom do “gênero”, cujo divisor de águas é X-Men: O filme (Bryan Singer, 2000), que moldaram a minha percepção do “filme de super-heróis”.

Se tivesse que levar alguns filmes dessa leva para uma ilha deserta seriam Superman (Richard Donner, 1978), Darkman: Vingança sem Rosto (Sam Raimi, 1990), Batman Returns (Tim Burton, 1992) e o tardio Homem-Aranha 2 (Sam Raimi, 2004). Mas o filme que encabeçaria essa lista seria Batman Returns. Por mais que as cenas de ação sejam indissociáveis desse universo (talvez seja o que realmente resta de notável nas produções contemporâneas), é curioso como a minha memória afetiva se nutre, sobretudo, da construção dos personagens nessas produções. A economia narrativa e de recursos com que a personagem de Michelle Pfeiffer (Selina Kyle) passa de secretária executiva do alto escalão político a Mulher Gato é absolutamente genial: um apartamento com production design impecável (o cuidado com o espaço: as cores, a luz, o detalhe dos objetos que compõem o quadro), a atriz perfeita para interpretá-la (a lucidez estrambelhada do antes em contraste com a determinação insana do depois, turbinada pela sensualidade imbatível da atriz e seu figurino) e a edição e direção que constróem em timing perfeito a transformação puramente imagética da famosa figura felina. Meow!!!

O parágrafo destinado a Batman Returns no texto de Brian Tellerico é relativamente curto, mas resume com precisão a contribuição deste exemplar para o panteão de obras que exploram o universo (cinematográfico) dos quadrinhos.

Por Brian Tellerico

Speaking of bonkers, it is still hard to believe that “Batman Returns” got made. Controversial at the time and relatively unsuccessful, it is now viewed by many as the best of this era of Batman films and one of Burton’s best. But from the very beginning, Burton’s vision feels more daring and confident than in the first film, and he gets more than he could have dreamed of getting out of Michelle Pfeiffer as Catwoman and Danny DeVito as The Penguin. Watching it now reminds one how few auteur-driven films we get in the modern superhero era. This is undeniably a Tim Burton movie, full of his influences and vision in every frame. With the occasional exception (“Black Panther,” “Wonder Woman”), superhero movies today feel like the product of a committee more than an artist. What scared people about “Batman Returns” in 1992 is what makes it so revelatory today. It’s one of the best and strangest movies of its kind ever made.

domingo, junho 09, 2019

The Heartbreak Kid (Elaine May, 1972)




Optei pelo nome original já que dependendo da fonte escolhida a tradução pode variar bastante, Corações em Alta, O Rapaz que Partia Corações, etc.

Na postagem de A Guerra do Vietnã comentei do legado proporcionado pelo evento na esfera cinematográfica que, antes de assistir ao documentário, muitas vezes me pareciam desconexos, frouxos, ou difíceis de serem sustentados. Esse filme é um exemplo prático da transformação empreendida: ganhou uma complexidade extra a partir do melhor entendimento do contexto em que fora produzido. A aproximação que o texto de Adrian Martin faz com A Primeira Noite de um Homem (Mike Nichols, 1967) é muito apropriada.

Por Adrian Martin

Elaine May é a diretora mais subestimada do cinema americano. The heartbreak kid é o mais próximo que já chegou do sucesso de grande público, mas ela se mantém verdadeira quanto à sua visão corrosiva e inflexível. Embora permaneça essencialmente fiel ao roteiro de Neil Simon (com ecos do filme de 1967, A primeira noite de um homem), Elaine consegue massacrar a aura sentimental e imbuída de uma sensação de felicidade presente na contribuição nociva daquele escritor de filmes populares. Ela faz essa passagem acentuando atos desagradáveis de crueldade, humilhação e constrangimento.

A comédia negra, aqui, possui uma face mundana. Lenny (Charles Grodin em seu melhor papel), um vendedor imbecil, está em lua-de-mel com a horrenda mas generosa Lila (Jeannie Berlin – há alguma outra mãe que tenha dirigido a sua filha em um papel tão valente e radical?). Sentindo-se aprisionado e sufocado, as fantasias bastante superficiais de Lenny se viram para o sonho americano da garota ideal, Kelly (Cybill Shepherd). Cada consequência desse triângulo é um desastre.

Poucos filmes nos fazem mergulhar tão impiedosamente na vulgaridade dos sonhos românticos e sexuais. O foco de May neste material é puro John Cassavetes: uma documentação inflexível do desconforto; a dor verdadeira mostrada em tempo real. Nossa risada, tão brilhantemente provocada pela atuação de Elaine, torna-se histérica no sentido psicanalítico do termo: um caminho para fugir temporariamente do horror.

segunda-feira, abril 08, 2019

Nas Garras da Ambição (Raoul Walsh, 1955) e Meu Pecado foi Nascer (Raoul Walsh, 1957)


Nathan Stark (Robert Ryan sobre Ben Allison, personagem de Clark Gable): There goes the only man I ever respected. He's what every boy thinks he's going to be when he grows up and wishes he had been when he's an old man.

Em virtude do lançamento de A Mula (Clint Eastwood, 2018), resolvi enfileirar alguns filmes de Raoul Walsh para desfrutar do prazer da mise-em-scène de um dos grandes artesãos do cinema clássico norte-americano. Meu Pecado foi Nascer foi visto na semana passada e Nas Garras da Ambição foi visto ontem. Ambos são protagonizados por Clark Gable, numa ótima parceria que poderia ter rendido mais filmes além do terceiro faltante da lista, Esse homem é meu (1955); a virilidade do ator é compensada pelo seu charme e carisma característicos, elementos apoiadores da sensibilidade dos personagens por ele interpretados, habitualmente errantes em busca de um último instante de adrenalina, antes do apaziguamento físico e moral desejado quando serão coroados pela serenidade e companhia de uma linda mulher (Yvonne de Carlo e Jane Russell).

A reflexão gerada pela abordagem do preconceito em Meu Pecado foi Nascer foi mais profunda do que em muitos filmes que empunham a bandeira da tolerância com unhas e dentes. A transformação do personagem de Sidney Poitier é reveladora dessa complexidade, quando ele se vê desarmado pelo discurso de Clark Gable, marcante a ponto de fazê-lo enxergar o ser humano por trás do ganancioso mercador de negros, que faz uso da sua posição social para proteger ele e outros escravos dos maus tratos e abusos de outros coronéis. Na verdade, ninguém é mocinho na história. Essa ambivalência do discurso preserva a complexidade do tema, nem sempre tratado com a devida consideração. O filme é entretenimento de altíssimo nível, sem menosprezar a inteligência do espectador.

Nas Garras da Ambição merece ser visto em tela grande, sobretudo pela segunda parte quando os protagonistas partem do Texas rumo a Montana conduzindo um rebanho de milhares de cabeças de gados e cavalos. Não me recordo de ver um western tão arrojado e dispendioso no trato de figurantes, especificamente, uma horda de animais em deslocamento contínuo - a minha memória clama pelo resgate de Rio Vermelho (1948, Howard Hawks). O trajeto é tão acidentado que rola até um arriamento de carroça por cordas que é algo inédito pra minha ignorância. Toda essa grandeza serve perfeitamente ao embate moral e psicológico travado pelos personagens de Clark Gable e Robert Ryan, interposto pela personagem de Jane Russell. Não vejo toda essa beleza na atriz, que supostamente desperta o desejo dos dois machões, embora lhe sobre sensualidade. É um filmaço!

domingo, fevereiro 24, 2019

Infiltrado na Klan (Spike Lee, 2018)


Daqui a pouco começa a festa do Oscar. Embora já faça uns bons anos que não consigo assistir a todos os filmes indicados anteriormente a noite da premiação, persisto posteriormente para tentar preencher essa “lacuna”. Do ano passado ainda me faltam Me Chame pelo Seu Nome (Luca Guadagnino, 2017) e Trama Fantasma (Paul Thomas Anderson, 2017).

Confesso que esse ano eu tive a oportunidade de assistir a todos os indicados com antecedência, mas me faltou apetite para abraçar todas as propostas apresentadas. O único que me chamou a atenção e honestamente não sei como foi parar por lá foi o Infiltrado na Klan, de Spike Lee. Faz duas semanas que o vi no cinema e digo que valeu a espera.

A história é tão bizarra que é difícil encará-la a sério. Spike Lee sabia disso. Tanto que ele nunca abandona o tom de deboche da proposta, como se o próprio ato de filmá-la fosse encarado como uma represália histórica regozijante, uma espécie de triunfo folclórico tardio. A recriação do episódio é a oportunidade de fazê-lo com a segurança de se lambuzar sem se envolver com o perigo real da missão, assumida por completo pelo personagem judeu de Adam Driver que se expõe de forma visceral. Ciente dessa linha tênue de abordagem, da qual ele sempre foi muito crítico, e sua própria filmografia é a prova cabal dessa postura, ele termina o filme com as imagens devastadoras do episódio de Charlottesville em 2017, pra colocar uma pá de cal no assunto e deixar bem claro que a questão está mais presente do que nunca.

A Mula (2018) é outro exemplar magnífico de Clint Eastwood que continua me surpreendendo com a sua fluidez narrativa de dar inveja. Alguns dias antes da minha sessão eu assisti a Golpe de Misericórdia (1949), de Raoul Walsh, que é uma das fontes inesgotáveis de inspiração do veterano diretor. Os heróis esquecidos de Walsh tem a mesma vitalidade dos personagens de Clint Eastwood e flertam com a mesma intensidade com a morte. Duarte Mata, do ótimo site português À Pala de Walsh, escreveu o que eu gostaria sobre o filme: “de uma maneira ou de outra, filmes anteriores de Eastwood são aqui reunidos numa obra que acarreta toda a aura de um filme-testamento, e o tráfico de drogas tem tanta importância em A Mula como o boxe tinha em Menina de Ouro: quase nenhuma, antes o de ser um mero pretexto para falar sobre dois temas pessoais que são o que interessam verdadeiramente a Eastwood, a família e a redenção”.