domingo, setembro 26, 2010

Plan 9 from outer space (Edward D. Wood, Jr, 1958)


“You know, it's an interesting think when you consider...the Earth people, who can think, are so frightened by those who cannot: the dead.”

“Do you still believe it impossible we exist? You didn't actually think you were the only inhabited planet in the universe? How can any race be so stupid?”



A graça do filme de Edward D. Wood, Jr. vem, involuntariamente, do tom de seriedade que afeta toda a produção; as falas reproduzidas acima, e outras que compõem o filme, são proferidas como se estivéssemos em um filme de Ingmar Bergman.

Pra quem, como eu, que só conheceu o cinema de Edward D. Wood, Jr. depois do filme de Tim Burton, Ed Wood (1994), é praticamente impossível não sentir compaixão pelo realizador. Mesmo diante da tosquice das produções do diretor, ao invés de rejeitá-las, quero me aproximar delas, compreendê-las. É como se perdoasse seus excessos e falta de talento. O encontro entre Ed Wood e Orson Welles, idealizado no filme de Burton, amplifica esse sentimento.


Não sei se Ed Wood foi em vida tão caloroso, dedicado e apaixonado como a figura retratada por Tim Burton, no entanto, essa imagem dele que ganhou força com o filme de Burton é a que permanece conosco. Talvez se não houvesse Ed Wood, o filme, Ed Wood, o cineasta, estaria esquecido.


Bela Lugosi em Plan 9 from outer space, de Ed Wood

Ele tinha uma inabilidade tremenda para lidar com o material filmado. O tom empregado em seus filmes era raramente o mais apropriado. A cena em que Bela Lugosi, em Plan 9 from outer space, sai de casa lentamente e pega uma flor no jardim ao som do voice over

“The grief of his wife's death became greater and greater agony. The home they had so long shared together, became a tomb. A sweet memory of her joyous living. The sky to which she had once looked, was now only a covering for her dead body. The ever-beautiful flowers she had planted with her own hand, became nothing more than the lost roses of her cheeks. Confused by his great loss, the old man left that home, never to return again.”

Martin Landau (Bela Lugosi) e Johnny Depp (Ed Wood)
em Ed Wood, de Tim Burton
soa patética nas mãos do diretor, já em Ed Wood, resulta emotiva e delicada (pelo menos na minha memória!).

Deu até vontade de assistir Ed Wood!

terça-feira, setembro 21, 2010

Polícia, Adjetivo (Corneliu Poromboiu, 2009)



A intenção incial era de escrever um post sobre a França, os imigrantes e os filmes, ideia que não foi ainda de todo descartada. Aproveitando o assunto, mas focado no outro lado da história, resolvi me atualizar na onda de cinema romeno que tomou de assalto as últimas edições do festival de Cannes e que tem apresentado filmes bem conceituados. Até então, havia visto apenas 4 meses, 3 semanas e 2 dias (2007), de Cristian Mungiu.

Fiquei chapado com Polícia, Adjetivo (2009), de Corneliu Poromboiu. As longas tomadas, as longas esperas, o tom minimalista, a câmera estática, os tempos mortos, tudo isso possibilita ao diretor recriar com precisão o ritmo de vida do cidadão romeno. As famosas instituições estatais herdadas do tempo do comunismo caberiam perfeitamente em um romance de Kafka. Não são poucos os momentos em que nos perguntamos se não estamos diante de um documentário. O filme faz jus a grande tradição do cinema documental do leste europeu ao registrar a peregrinação do protagonista pela cidade romena em que habita à procura de evidências que possam incriminar um provável distribuidor de drogas. O enredo, sintetizado acima, soa como um típico filme policial norte americano.

Na realidade, são as escolhas do diretor para a elaboração do roteiro que enriquecem a experiência do filme. O que parece fortuito ao longo da projeção, que inclusive fornece ao espectador uma boa dose de pistas falsas - com alguns momentos cômicos despretensiosos - aos poucos começa a fazer sentido, se encaixar, até culminar na longa cena final dentro da sala do chefe de polícia. É nela que se concentra a força do filme: ali se encontram a palavra e seu significado, a Romênia comunista e a Romênia contemporânea, o homem-indivíduo e o homem-cidadão. A direção não nos prepara para o desfecho sublime que o roteiro nos reserva; na verdade, isso potencializa o seu impacto. Um dos melhores filmes que eu vi neste ano.

quarta-feira, setembro 15, 2010

A Força do Mal (Abraham Polonsky, 1948)






Faz umas três semanas que assisti ao filme A Força do Mal (1948), de Abraham Polonsky e não consigo me desvencilhar das imagens reproduzidas acima. Elas recriam, praticamente, seus últimos minutos.

É curioso notar que o filme se passa basicamente dentro de interiores, sobretudo de salas, escritórios e restaurantes, onde a interação entre os personagens é construída. A tensão permanente que permeia a projeção se ampara nas interpretações, no famoso diálogo poético escrito à perfeição e na iluminação baixa e bem contrastada (esplêndido preto e branco). No entanto, somente quando o filme parte para as tomadas em locação, que não são muitas além dessas, captadas com todo o rigor geométrico que as imagens ilustram, é que o discurso do filme assume a dimensão proposta. Nelas, os personagens estão sempre posicionados em perspectiva em relação aos arranha céus e highlights de Nova York: o indivíduo aparece sempre esmagado por essas paisagens, que se mostram belas na forma, porém corruptas na essência.


O casting não poderia ser mais perfeito: John Garfiel, pequeno, magro, voraz e corrupto e Thomas Gomez, grande, gordo, sensível e honesto. Dois improváveis irmãos. P... filme!!!


domingo, setembro 12, 2010

Adieu Claude Chabrol: colaborador da Cahiers du Cinéma e fundador da Nouvelle Vague


(24/07/1930 - 12/09/2010)

O trecho abaixo foi extraído da Introdução do livro Hitchcock/Truffaut, Entrevistas (1966) com tradução de Rosa Freire d’Aguiar.

“Tudo começou com um tombo na água.

Durante o inverno de 1955, Alfred Hitchcock veio trabalhar em Joinville, no estúdio Saint-Maurice, na pós-sincronização de Ladrão de Casaca, cujas externas tinha filmado na Côte d’Azur. Meu amigo Claude Chabrol e eu resolvemos ir entrevistá-lo para o Cahiers du Cinéma. Tínhamos pedido emprestado um gravador para registrar a entrevista, que gostaríamos que fosse longa, precisa e fiel.

Estava bastante escuro naquele auditório onde Hitchcock trabalhava, enquanto na tela desfilava sem parar, como que rolando, uma cena curta do filme que mostrava Cary Grant e Brigitte Auber pilotando um barco a motor. No escuro, Chabrol e eu nos apresentamos a Alfred Hitchcock, que nos pede que o esperemos no bar do estúdio, do outro lado do pátio. Saímos, ofuscados pela luz do dia e, comentando com a empolgação de verdadeiros fanáticos por cinema as imagens hitchcockianas que víramos em primeira mão, dirigimo-nos, sempre em frente, para o bar que ficava logo ali, a quinze metros. Sem perceber, nós dois pulamos no mesmo passo a borda estreita de um laguinho congelado, da mesma cor cinza do asfalto do pátio. O gelo quebrou imediatamente e fomos para no fundo, com água até o peito, aparvalhados. Pergunto a Chabrol: “E o gravador?”. Ele ergue devagar o braço esquerdo e tira da água o aparelho, pingando.

Como num filme de Hitchcock, era uma situação sem saída: naquele laguinho inclinado, em declive muito suave, era impossível alcançarmos a beira sem escorregar de novo. Foi preciso a mão prestativa de um passante para nos tirar dali. Finalmente saímos, e uma roupeira, na certa com pena de nós, levou-nos para um camarim onde pudéssemos nos despir e secar as roupas. No caminho, disse-nos: “Puxa! Meus filhos, coitados! Vocês são figurantes de Rififi chez lês hommes?”. “Não senhora, somos jornalistas”. “Então, nesse caso, não posso cuidar de vocês!”

Portanto, foi tiritando dentro de nossas roupas encharcadas que minutos depois nos apresentamos diante de Alfred Hitchcock. Ele olhou para nós sem fazer comentários sobre nosso estado e propôs um novo encontro para aquela noite, no hotel Plaza Athénée. No ano seguinte, quando voltou a Paris, nos identificou de imediato, Chabrol e eu, no meio de um grupo de jornalistas parisienses, e nos disse: “Cavalheiros, penso em vocês toda vez que vejo pedras de gelo chocando-se num copo de uísque”.

Anos mais tarde eu seria informado de que Alfred Hitchcock havia floreado o incidente, enriquecendo-o com um final bem a seu jeito. Na versão Hitchcock, tal como ele a contava aos amigos de Hollywood, quando nos apresentamos depois do nosso tombo no laguinho Chabrol estava vestido de padre e eu de policial!”