Não há como não comparar Os Sapatinhos Vermelhos (Michael Powell e Emeric Pressburger, 1948) com o Cisne Negro. É involuntário. Nem se trata de valorizar um filme em detrimento de outro, mas o que dizer de um longa-metragem de balé que não tem um número de dança? Ou melhor, que tem dança, porém filmado sempre em primeiro plano? E o espetáculo dos corpos em movimento, a sincronia dos gestos, a interação das bailarinas com o cenário da peça? É nítido que Natalie Portman não é uma bailarina, mas como convencer o público de que o seu personagem, ingênuo, quase frígido, seria capaz de se transformar no Cisne Negro - erótico e provocativo? Dançando, não seria? Afinal de contas trata-se da encenação de O Lago dos Cisnes...
Por mais que eu goste de Natalie Portman e reconheça o esforço da sua representação, me faltou, justamente no palco, a emoção que ela disse ter sentido no final. Em O lutador (2008), do mesmo diretor Darren Aronofsky, bastou apenas uma cena dentro do ringue de luta livre para anestesiar o público - emocionar, talvez. E que cena! Tão bem filmada e coreografada, que mesmo não sendo longa, consegue ser representativa. Os planos fechados para lutas funcionam perfeitamente. Mickey Rourke foi um lutador de luta livre na vida real, seu corpo “deformado” não mente. Toda a dramaticidade da sua representação baseia-se na relação dele com o seu corpo. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo de Natalie Portman e não sei se foi por conta da presença dela no filme que se evitou o espetáculo de dança. Nem que fosse uma dublê, a emoção da sua performance precisava ser compartilhada com o espectador. Faltou esse tempero. O filme quer que acreditemos que ela triunfou por meio da reação da platéia presente e de suas companheiras, não pelo número em si ou pelo seu desempenho no palco - mostrado na tela.
O início de Cisne Negro, em que Darren se dedica a ambientar o seu longa-metragem, guarda os melhores momentos (acompanhamos a rotina da companhia de balé): as bailarinas se aquecendo em um corredor interminável, o ritual de preparação de uma sapatilha (linhas e agulhas para costurá-la, ótima cena), o close dos pés de uma bailarina em pleno movimento de dança, o plano geral da companhia repleta de espelhos, o camarim, o palco, os bastidores de um espetáculo de dança. A fotografia de Matthew Libatique, de tons escuros saturada, reforça a sensação de desconforto desse ambiente gélido e competitivo.
À medida que os personagens que compõem a trama começam a entrar em cena, o foco se volta para a sua protagonista, Nina (Natalie Portman). Em torno dela girará apenas a sua mãe (Barbara Hershey), o diretor do espetáculo (Vincent Cassel), a sua concorrente (Mila Kunis) e de modo muito ilustrativo a sua antecessora (Winona Ryder). Da interação entre todos eles com a protagonista – relação de causa-efeito descambando para o psicologismo – se dará a explicação para os delírios mentais (e cinematográficos) colocados em cena. Tudo que foge a esse círculo de relações é evitado a fim de não se perder o clima instaurado e a atenção do público. Esta opção deixa arestas que permanecem inconclusivas, o intuito é que o filme não perca a sua rota (exemplo: quando Nina questiona a sua concorrente a respeito do desfecho da noitada que passaram juntas, ela acha engraçado e diz que nada daquilo de fato aconteceu deixando a oponente/amiga com a pergunta “Porque, você gostou de sonhar comigo?” e um sorriso debochado, como quem vai contar uma “novidade para as amigas” – as bailarinas da companhia aparecem desfocadas no fundo do plano. O encontro seguinte entre as duas se passa como se isso não tivesse acontecido).
Depois de Cisne Negro assisti ao filme de estréia de Aronofsky, π (1998). Não gostei. Seu gosto por transformar os tormentos da mente em material fílmico o leva a delírios extravagantes de filmagem que por vezes me parecem um tanto quanto exagerados. O mesmo se passa com Réquiem para um sonho (2000). Pra mim, quanto mais contido, melhor - O lutador (2008). Cisne Negro contém momentos inspirados, que bem poderiam ser mais frequentes.
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