Tournée (Mathieu Amalric, 2010) – sinto dificuldade em escrever alguma coisa a respeito do filme e só me dei conta agora que me propus a registrar as minhas impressões. Se eu tivesse de escolher uma palavra pra resumir o filme de Amalric seria energia. Muita energia! O diretor, que também é o ator principal, se debruça com tanta paixão sobre o seu material (uma trupe de dançarinas de cabaré trazidas dos EUA para uma turnê burlesca em cidades francesas) que logo nas primeiras cenas estamos contaminados por ela. O trabalho de direção de atores é notável – decorrente da experiência de Amalric no ofício e dessa energia/paixão supramencionada. Somos pouco a pouco desarmados pelas interpretações: é um desfile de corpos disformes, grotescos, que geram um distanciamento inicial, mas gradativamente, à medida que nossos preconceitos são postos à prova, o que era ridículo/excêntrico se torna belo, formoso. Lembrou-me muito o Cassavetes de Amantes (1984). O filme é imperfeito, desigual, mas não por isso menos apaixonante.
Ricky (François Ozon, 2009) – ousado projeto do diretor Ozon. Tinha tudo para dar errado. Uma arriscada combinação de realismo e fantasia. Ele encontrou uma maneira bastante criativa de abordar um assunto corriqueiro/batido – a alteração da dinâmica familiar a partir do nascimento de um novo representante. A direção segura de Ozon evita que o elemento fantástico da trama chame toda a atenção para si. Quando ele é introduzido na narrativa do filme, próximo da metade da sua metragem, tudo o que vinha sendo construído até então não se perde nem se vê ofuscado, pelo contrário, ganha novos contornos e interpretações (fica mais interessante). A partir do nascimento do bebê Ricky, o filme, literalmente, ganha vida e alça vôo. Um verdadeiro achado.
Homens e Deuses (Xavier Beauvois, 2010) – a meu ver, o mais problemático dos três. O filme representou, para parte da crítica, o resgate de um cinema cristão há tempos adormecido, em desuso – para estes críticos, o filme poderia ser colocado ao lado dos melhores Dreyer, Bresson, Bergman. Apesar de ser um bom filme, denso, humano, não gostei tanto assim; o que mais me incomodou foi justamente a maneira como esse “cristianismo” é retratado. A crença dos monges é colocada à prova em uma situação limite: no meio de uma guerra civil eles se vêem forçados a confrontar seus medos, sua fé. O dilema apresentado pelo filme (abandonar o povoado e sobreviver ou, ficar e morrer pela causa), embora seja autêntico, é potencializado pela situação dramática - guerra civil - em que os personagens se encontram: a guerra legitima o cristianismo dos personagens de Beauvois. Não há nada de errado com isso, entretanto, nos dramas de Dreyer, Bresson e Bergman as dúvidas emergem de situações banais, corriqueiras; o mundo interno dos seus protagonistas é instável desde sempre. Em Beauvois, algumas cenas em tom solene (ex: o momento em que os monges, em close, brindam o vinho ao som do Lago dos Cisnes de Tchaikovsky) prejudicam o filme conferindo-lhe um tom artificial, forçado. Seu filme é cristão, não necessariamente seu cinema.
OBS: Antes que eu seja acusado de estar praguejando contra, devo reconhecer o mérito do filme em retratar uma guerra civil sem disparar um tiro sequer. A maior ameaça se dá por meio do som da hélice de um helicóptero (a melhor cena do filme).
OBS: Antes que eu seja acusado de estar praguejando contra, devo reconhecer o mérito do filme em retratar uma guerra civil sem disparar um tiro sequer. A maior ameaça se dá por meio do som da hélice de um helicóptero (a melhor cena do filme).
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