segunda-feira, agosto 08, 2011

Taxi Driver não é de Scorsese!



A versão brasileira da revista Rolling Stone de abril do ano passado (Jimi Hendrix na capa) traz uma entrevista com o diretor Martin Scorsese que foi publicada originalmente na edição 590 da RS americana (novembro de 1990). A matéria ocupa 6 páginas e cobre, sobretudo, a estreia nos cinemas – na ocasião – de Os Bons Companheiros (1990). Na época, o diretor já gozava de prestígio merecido e já era considerado um dos melhores diretores norte-americanos em atividade. Quando perguntado quais dentre os seus filmes ele considerava mais importantes, mencionou Caminhos Perigosos (1973) e Touro Indomável (1980). “E Taxi Driver?”

Martin Scorsese: “Não. Eu gosto de Bob (Robert de Niro) nele. Ah, eu gosto de todo mundo nele. Cybill Shepherd estava maravilhosa. Jodie Foster. Mas Taxi Driver realmente é de Paul Schrader. Nós o interpretamos. Paul Schrader deu o roteiro para mim porque ele viu Caminhos Perigosos e gostou de Bob no filme e gostou de mim como diretor. Nós – e isso quer dizer Bob e eu – tínhamos as mesmas sensações em relação a Travis, à maneira como ele foi escrito, à maneira como Paul tinha feito. Era como se nós três sentíssemos a mesma coisa, como se fosse um clubinho formado por nós três. Paul Schrader e eu tínhamos certa afinidade em relação a religião e vida, morte e culpa e sexo. Paul e eu somos muito próximos em relação a esse tipo de coisa. Mas devo dizer que o conceito original é todo dele. Não é falsa modéstia – outra pessoa pode chegar e dizer que ele simplesmente interpretou e acabou com o filme. Mas você precisa entender que a idéia original veio dele. E eu acho que, quando dizem “Taxi Driver, de Martin Scorsese”, é algo muito doloroso para Paul. Na verdade, é dele.

Quando eu li a matéria pela primeira vez, cheguei a ficar meio decepcionado; eu não concebia esse “desapreço” pelo filme. Interpretei na resposta certa indiferença da parte dele, como costuma se dar com os autores renomados e suas obras mais famosas/reconhecidas. Uma espécie de rejeição, enfim. Dali alguns meses, assisti ao material extra que vem no DVD e basicamente a mesma história se repetiu. Paul Schrader, é sempre bom lembrar, roteirizou quatro filmes de Scorsese: Taxi Driver (1976), Touro Indomável (1980), A Última Tentação de Cristo (1988) e Vivendo no Limite (1999).

Eis que agora, mais precisamente nas últimas semanas, aproveitando as listas de 10 melhores que o Sergio Alpendre tem publicado em seu blog, resolvi me atualizar do que faltava ser visto de Brian de Palma. Como já postado nesse espaço, há quase um mês atrás, enfrentei o filme Trágica Obsessão (1976), cujo roteirista também é o Paul Schrader. Logo em seguida, coincidentemente, peguei a sessão de Um Corpo que Cai (1958) na Mostra do Hitchcock no CINESESC – Trágica Obsessão é, basicamente, uma releitura deste filme. As obras do mestre do suspense somadas a outras referências, tais como Rastros de Ódio (1956, de John Ford) e Pickpocket (1962, de Robert Bresson), representam o universo sob o qual esses colaboradores se debruçaram – “...afinidade em relação a religião e vida, morte e culpa e sexo”. Taxi Driver e Trágica Obsessão têm um pouco de cada um desses filmes, especialmente no que diz respeito aos personagens retratados. A literatura de Dostoievski também serve como ponto de partida. Só depois da sessão de Trágica Obsessão é que as declarações de Scorsese em relação à autoria de Taxi Driver passaram a fazer mais sentido pra mim.

A trajetória de Ethan Edwards (John Wayne em Rastros de Ódio) pra “salvar” a sua sobrinha, Debbie Edwards (Natalie Wood), das garras dos Comanches não é diferente do caminho adotado por Travis Bickle (Robert de Niro em Taxi Driver) pra “salvar” a prostituta Iris (Jodie Foster) das mãos do cafetão Sport (Harvey Keitel), nem da busca obsessiva de Michael Courtland (Cliff Robertson) pra “reencontrar” a sua amada Elisabeth Courtland (Geneviève Bujold). Para todos eles, bem como para Scottie Ferguson (James Stewart em Um Corpo que Cai) e Michel (Martin LaSalle em Pickpocket), dosagens diferenciadas de culpa aliadas a um caráter obsessivo, representam o motor dos seus instintos – estão todos em busca de redenção. O Gigolô Americano, que Paul Schrader viria a dirigir em 1980, é uma releitura de Pickpocket (1960), de Robert Bresson.

Estou prestes a ler o renomado livro de Peter Biskind, Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll salvou Hollywood. Acredito que essa leitura reforçará a impressão de conjunto que estes filmes carregam. Fica até compreensível entender as declarações de Martin Scorsese, uma vez que ele foi fortemente influenciado pela politique des auters defendida pela turma do Cahiers du Cinema (Jean-Luc Godard, François Truffaut, Claude Chabrol, Eric Rohmer, Jacques Rivette) – sob essa ótica, conforme atesta o trecho da entrevista acima, seus filmes seriam apenas Caminhos Perigosos e Touro Indomável. Mesmo negando a autoria do projeto, que ele confere a Paul Schrader, talvez seja mais apropriado encarar Taxi Driver como uma encomenda feita sob medida para Scorsese, sem tirar nem pôr.

Luis Carlos Oliveira Jr escreveu um belo texto a respeito de Trágica Obsessão para a revista Contracampo. O link se encontra aqui.

2 comentários:

  1. Paul Schrader é um gênio e realmente é muito injusto o quanto as pessoas se esquecem dele ao falar sobre Taxi Driver, o filme realmente não existiria sem ele porque tudo partiu dos problemas pessoais que ele enfrentou. Mas Scorsese foi modesto demais dizendo isso, o roteiro é perfeito, a história é brilhante, mas o que seria de Taxi Driver sem a direção brilhante dele e a atuação inesquecivel do De Niro? Isso sem falar da fotografia e da trilha sonora do Bernard Herrmann. É claro, toda a visão foi do Schrader, mas mesmo com esse roteiro genial, poderia ter se tornado um fracasso e um vexame em mãos errados.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Letícia, concordo em gênero, número e grau com a afirmação, "...toda a visão foi do Schrader, mas mesmo com esse roteiro genial, poderia ter se tornado um fracasso e um vexame em mãos erradas." Obrigado pela visita.

      Excluir