É praticamente impossível ficar
indiferente às estreias dos filmes indicados ao Oscar. Nem digo isso pela
suposta qualidade dos longas em questão. Nas últimas semanas uma enxurrada
deles tomou as salas dos cinemas, média de duas estreias por semana, de forma
que as exibidoras de Ribeirão até boicotaram as produções de menor apelo
comercial, como Philomena (Stephen
Frears, 2013) e Nebraska (Alexander
Payne, 2013). Mesmo a chancela do Oscar não garante a exibição nos interiores
do Brasil afora.
O Lobo de Wall Street (Martin Scorsese, 2013), como já fora
comentado em toda a mídia impressa e digital, bebe na fonte de Os Bons Companheiros (1990) e Cassino (1995). A estrutura dos três
longas é praticamente a mesma: dois parceiros de negócios (escusos) erguem seus
impérios à margem da lei, narrando suas peripécias, da ascensão (primeira
metade) ao declínio das operações (segunda metade), regadas a ganância e excessos
(pessoais e/ou materiais). O projeto pessoal do protagonista, relativamente
careta, centrado no modelo burguês do casamento e da família, não é compatível
com o estilo de vida que ele adota para tocar os seus negócios. A figura da
esposa, eixo moral do protagonista (no que ela representa não necessariamente
no que ela é), não raro se choca com o mundo deturpado dele. O que era pra ser
o seu porto seguro se torna a sua maior ameaça.
A sombra dos dois outros filmes
pesa sobre O Lobo de Wall Street.
Ambos são mais bem resolvidos do ponto de vista dramatúrgico (provável
contribuição do roteirista Nicholas Pileggi) – uma comparação mais do que
justa, sobretudo por serem todos filmes de Scorsese. O “eixo familiar” da
produção fica muito prejudicado, de modo que algumas sequências soam patéticas
– exemplo: a cena em que Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), após um desentendimento
com a esposa (Margot Robbie), tenta fugir com a filha e choca o próprio carro
no estacionamento. A criança mal havia aparecido até então (apenas como uma recém-nascida)
– e some logo após essa sequência. A própria tia da esposa (Joanna Lumley),
peça importante do esquema de lavagem de dinheiro de Jordan, existe como um
mero plot device (espirituoso, é
verdade). Ao que tudo indica, o filme havia apresentado uma duração muito longa
anteriormente, e teve de ser retalhado para ser lançado comercialmente.
Provavelmente (ou não), parte do material que explorava melhor essa vertente,
acabou sendo confiscada.
O histrionismo do protagonista,
potencializado pela direção de Scorsese, também impede que o filme “respire” um
pouco, ainda que esse aspecto esteja em completa sintonia com o modo de vida do
personagem. Scorsese não economiza um centavo para retratar essa exuberância na
tela. Suas últimas produções ganham em orçamento, mas perdem em concisão. Essa
grandiloquência encobre a atenção que deveria ser dada aos detalhes. A fim de
manter a justeza na comparação, fiquemos com outro filme do próprio Scorsese
que equilibra melhor essas duas forças (aparentemente) antagônicas: A Época da Inocência (1993) – favorecido,
verdade seja dita, pelo caráter contido do seu protagonista, Newland Archer
(Daniel Day-Lewis). No rastro das
recentes produções que abordam a irracionalidade do capitalismo, pós-quebradeira
de 2008, voltadas ao relato mais sóbrio do cotidiano dessas figuras (o que
exclui, por exemplo, Cosmópolis (2011),
de David Cronenberg), uma proposta interessante seria uma sessão double bill de O Lobo e O Capital (Costa
Gavras, 2013).
Embora eu considere a postagem do Vlademir, dono do espaço O Olhar Implícito, um tanto quanto implacável, ela
está mais próxima da forma como eu enxergo O
Lobo de Wall Street.
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