Eu sou da geração que estabeleceu contato com o
trabalho de Arnaldo Jabor pela televisão, via Rede Globo, como comentarista
político do Jornal Nacional, num tempo de exposição relativamente curto,
beirando um minuto, todavia suficiente para que ele expusesse sem firulas nem
"papas na língua" as contradições da complexa realidade brasileira.
Depois, ou ao mesmo tempo (já não me recordo mais), ele estendeu sua
contribuição crítica para assuntos mais abrangentes, flertando com a crônica de
costumes fortemente influenciada por Nelson Rodrigues, de um humor cáustico
característico, nos jornais impressos Folha
de S.Paulo, inicialmente, e O Estado
de S. Paulo, posteriormente. Em breve consulta ao Wikipedia, fiquei sabendo
que antes de criar seu "personagem televisivo" ele já escrevia para o
jornal O Globo, tornando-se colunista
numa tentativa de reinventar a sua carreira artística, fortemente comprometida
pela gestão desastrosa do então presidente Fernando Collor de Mello,
responsável pelo sucateamento da produção cinematográfica nacional - ao
decretar a extinção da Embrafilme em 1990.
Enfim, só tomei conhecimento de seus filmes quando
a Versátil resolveu lançá-los, nos anos 2000, só vindo a realmente conhecê-los
um pouco mais tarde. Ainda aguardo a
oportunidade para ver Eu te Amo (1981)
e Eu Sei que Vou Te Amar (1986).
Aparte o resultado alcançado com A Suprema Felicidade (2011), tentativa mal
sucedida de se reproduzir o onirismo feliniano, mais especificamente de Amarcord (1973), todos os outros longas
vistos me deixaram bastante entusiasmados.
Tudo Bem é o filme de Jabor mais sintonizado com o trabalho
que ele se prestou a realizar mais tarde como jornalista/cronista. Dentro do
apartamento em reforma do casal Juarez Ramos Barata (Paulo Gracindo) e Elvira Barata
(Fernanda Montenegro), o diretor cria um microcosmo muito bem representativo do
Brasil industrializado de então, recém-saído do milagre econômico (a produção é
de 1978), que acabara de experimentar um dos maiores fluxos migratórios da
história. Nesse espaço limitado, claustrofóbico, ainda que bem explorado
(destaque para a direção de arte), coabitam a classe média, proprietária do
imóvel, beneficiada pelo ciclo inédito de desenvolvimento do país, e a massa
migratória, operária, miserável, com a renda sendo corroída pela desvalorização
da moeda, "vendendo o almoço para comprar a janta". O choque
proporcionado pelas diferenças culturais, de renda e educação entre as classes
era tão evidente que não havia como ser facilmente maquiado, apesar do esforço
do governo militar para vender a ilusão de "Brasil Grande", viga
mestra da sua política de sustentação publicitária (Wikipedia).
A galeria de tipos criados por Jabor, fortalecida
pelo rol de atores que os personificaram, é digna de antologia. Desde os três fantasmas
que atormentam Juarez Barata, numa combinação que bem poderia ser a sua
consciência (ou, a consciência da burguesia brasileira), com Fernando Torres,
Jorge Loredo e Luis Linhares, até os operários (pedreiros) da reforma, muito
bem representados por José Dumont - a cena do acolhimento altruísta da sua
família é uma das melhores do filme (promove uma sequência irônica matadora). A
curta aparição de Paulo César Peréio no desfecho é de rachar o bico - poucas
vezes seu estilo debochado de interpretação casou tão bem com o propósito do
seu personagem.
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