Mais uma vez a palavra final de
um filme ficou a cargo do sempre instigante José Geraldo Couto. A aproximação
que ele faz de Praia do Futuro com o
universo de Michelangelo Antonioni é bastante apropriada, especificamente no
que tange à "configuração do espaço físico como elemento dramático".
Ciente da má interpretação que pode advir dessa aproximação, ele faz um alerta,
"atenção: isto não é uma comparação, só uma referência". E dá
continuidade ao raciocínio: "nessa arquitetura em movimento não há um
único enquadramento frouxo, desnecessário ou meramente ornamental. O ambiente
não é mero cenário onde se desenrola o drama: ele é o drama. A isso damos o
nome de cinema”.
Eu sou um apreciador do cinema de
Karim Aïnouz, a ponto de considerar O Céu
de Suely (2006) um dos grandes filmes brasileiros. É muito difícil ficar
indiferente às suas imagens e seus personagens, construídos numa simbiose de
sensações, sentidos e impressões, contrária a letargia paralisante que acomete
suas criações por consequência de um abandono afetivo – o mesmo mote que guia Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo
(2009) ou O Abismo Prateado (2011).
A propósito deste último, só consegui vê-lo há duas semanas, quando o 40º
Festival SESC Melhores Filmes aportou em Ribeirão Preto. Mesmo num projeto de
encomenda, que tende a limitar a influência do cineasta sobre o material, Karim
encontra espaço para suas imagens respirarem.
Tenho a impressão de que ele teve
mais dificuldade para montar Praia do
Futuro, sendo forçado a recorrer aos capítulos ou episódios para facilitar
a assimilação da passagem do tempo por parte do espectador. A ruptura drástica,
espacial e da narrativa, distancia os personagens do público (como bem notou o
blogue Filmes do Chico), que se vê
obrigado a construir mentalmente os laços afetivos não explorados pelas imagens
do filme. Segundo Chico, “Wagner Moura, que parece cheio de vida quando seu
personagem ainda está preso às convenções, definha, desaparece quanto Donato
teoricamente deveria estar pleno. Já Jesuíta Barbosa, que só surge no terceiro
e último capítulo da história, aparece cheio de vigor para defender um
personagem que precisava ter sido melhor definido lá atrás”.
Em contrapartida, as cenas de
abertura e encerramento, mutuamente dependentes, carregam uma miríade de
significados e interpretações. Karim explora muito bem as diferenças
geográficas e climáticas entre Fortaleza e Berlim, convertendo-as em farto
material cinematográfico. Seus personagens se fundem às paisagens/ao horizonte
dessas localidades, adaptando suas emoções conforme as circunstâncias (o
diretor inverte a lógica pré-concebida do frio, melancolia; calor, felicidade).
Pra fechar, outro comentário do
Zé Geraldo Couto, com o qual eu compartilho da opinião, "duas imagens
fortíssimas e contrastantes ficam impregnadas na retina e, a meu ver, balizam
formalmente o filme: o vertiginoso aquário vertical em que o protagonista é
reencontrado pelo irmão (Jesuíta Barbosa) em Berlim; e a “praia sem mar” que se
estende a perder de vista na névoa, horizontalidade pura em que os irmãos
desgarrados finalmente se reconciliam".
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