domingo, julho 20, 2014

Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios (Emir Kusturica, 1985)



A Guerra dos Balcãs, envolvendo povos de etnias, culturas e religiões distintas, sempre foi a mais difícil para o meu entendimento, tamanha a quantidade de pequenos incidentes sucessivos que a compõem (culminando na Primeira Guerra Mundial), além do tratamento dado às fronteiras dos povos envolvidos, rearranjados ao término deste conflito e de outros que perduram até os dias de hoje.

Uma das virtudes dos filmes de Kusturica é justamente se deixar ver sem que todo esse repertório esteja pré-esclarecido para o espectador – suas estórias se passam depois que tal guerra varreu o continente europeu. Seus personagens, habitantes desse caldeirão de adversidades e conflitos, convivem em um ambiente extremamente politizado, com a liberdade tolhida pelo controle exacerbado que o Estado exerce sobre eles – fruto da influência da extinta União Soviética. Essa condição de vigília permanente, marca registrada do cinema russo e do leste europeu (responsável, por vezes, pelo clima pesado de suas produções), perpassa todo o filme.

Kusturica adota uma abordagem menos sombria, flertando o tempo todo com o registro caricatural, mais próximo do que seria uma paródia. O tom de gravidade não é abandonado por completo, sendo constantemente entremeado por situações cômicas, todas centradas no núcleo familiar da trama. Inclusive, esse laço fraterno que une os personagens, seja pelo sangue ou pela necessidade imposta de convivência, quando mal administrado, assume o papel de estopim dos conflitos – no macro (país) ou micro (família) ambiente. Nesse contexto de socialização mais amplo, as diferenças são minimizadas (ou talvez toleradas), quando não se manifestam na forma de decisões tomadas por razões políticas que escondem uma escusa motivação pessoal.

Esse detalhe, a propósito, é um dos principais responsáveis pela continuidade do conflito na região até os dias de hoje, quando irmãos de sangue assumem, por influência do meio, posturas ideológicas distintas, negociadas frequentemente na base da violência.

A perspectiva infantil adotada por Kusturica em Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios, ao menos evita, circunstancialmente, que o sangue jorre na tela. Daí também vem a sua beleza – um rito de passagem incomum, repleto de relações pessoais à flor da pele. Um dos precursores do filme político filtrado pelos olhos de uma criança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário