sábado, setembro 30, 2017

Raw (Julia Ducournau, 2016)



O texto de Christy Lemire em março deste ano para o site de Roger Ebert referente ao filme Raw (2016) acionou o meu radar para a sua existência. Além da crítica entusiasmada que me ganhou logo de cara, Matt Fagerholm entrevistou a diretora Julia Ducournau brevemente, de forma que ela esclarece algumas das opções adotadas para a sua realização, cujo roteiro também é de sua autoria. Colocando de forma simples, o filme explora o desabrochar sexual de uma adolescente, criada a base de comida vegetariana, que descobre o gosto incomum pela carne humana. Sim, o filme possui cenas de canibalismo, atenuadas pela sensibilidade ímpar com que o assunto é tratado – o contraste do vermelho do sangue com as cores frias do outono/inverno no campus universitário gera o impacto desejado. A abordagem é mais íntima do que propriamente gráfica.

Uma das belas lembranças que o filme deixa com o espectador é a forte relação desenvolvida pelas duas irmãs, com ótimas cenas de aproximação, repelência, cumplicidade, amor e ódio. Todo o arsenal de emoções que envolvem a relação fraternal é muito bem explorado por Ducournau, que estaria longe de despertar o efeito desejado não fossem as contribuições significativas das duas intérpretes Garance Marillier (Justine) e Ella Rumpf (Alexia).

Em vários momentos o filme me lembrou Deixa Ela Entrar (Tomas Alfredson, 2008), sobretudo na relação que ambos estabelecem com suas protagonistas ao tentar equilibrar o instinto animal que se acerca delas, proporcionando os rompantes de violência, com uma dose desejável de inocência, no pouco domínio exercido sobre o desejo carnal sobrepujante/incontrolável que se apropria delas. A presença em cena das protagonistas já é em si ameaçadora, proporcionando uma insegurança crescente sem que consigamos distinguir o comportamento que antecede um gesto singelo de um ataque fatal.

Outro acerto da autora foi ambientar o filme na aurora da fase adulta, quando do ingresso da protagonista na faculdade. O afloramento do instinto canibal nela encontra a circunstância perfeita no contexto da caloura experimentando o primeiro contato com a vida universitária. O ritmo intenso com que a menina põe à prova toda a repressão da sua criação e se disponibiliza para os rituais característicos desse momento chave da vida adulta são tratados quase como um filme de terror – e aí outra referência se faz evidente, Carrie, a Estranha (Brian de Palma, 1976). As festas, os trotes, as amizades, o bullying, o sexo representam o pano de fundo perfeito para a ambientação desta história.

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