O texto de Christy Lemire em março deste ano para o
site de Roger Ebert referente ao filme Raw
(2016) acionou o meu radar para a sua existência. Além da crítica
entusiasmada que me ganhou logo de cara, Matt Fagerholm entrevistou a diretora
Julia Ducournau brevemente, de forma que ela esclarece algumas das opções
adotadas para a sua realização, cujo roteiro também é de sua autoria. Colocando
de forma simples, o filme explora o desabrochar sexual de uma adolescente,
criada a base de comida vegetariana, que descobre o gosto incomum pela carne
humana. Sim, o filme possui cenas de canibalismo, atenuadas pela sensibilidade
ímpar com que o assunto é tratado – o contraste do vermelho do sangue com as
cores frias do outono/inverno no campus universitário gera o impacto desejado.
A abordagem é mais íntima do que propriamente gráfica.
Uma das belas lembranças que o filme deixa com o
espectador é a forte relação desenvolvida pelas duas irmãs, com ótimas cenas de
aproximação, repelência, cumplicidade, amor e ódio. Todo o arsenal de emoções
que envolvem a relação fraternal é muito bem explorado por Ducournau, que
estaria longe de despertar o efeito desejado não fossem as contribuições
significativas das duas intérpretes Garance Marillier (Justine) e Ella Rumpf
(Alexia).
Em vários momentos o filme me lembrou Deixa Ela Entrar (Tomas Alfredson, 2008),
sobretudo na relação que ambos estabelecem com suas protagonistas ao tentar
equilibrar o instinto animal que se acerca delas, proporcionando os rompantes
de violência, com uma dose desejável de inocência, no pouco domínio exercido
sobre o desejo carnal sobrepujante/incontrolável que se apropria delas. A
presença em cena das protagonistas já é em si ameaçadora, proporcionando uma
insegurança crescente sem que consigamos distinguir o comportamento que
antecede um gesto singelo de um ataque fatal.
Outro acerto da autora foi ambientar o filme na
aurora da fase adulta, quando do ingresso da protagonista na faculdade. O afloramento
do instinto canibal nela encontra a circunstância perfeita no contexto da
caloura experimentando o primeiro contato com a vida universitária. O ritmo intenso
com que a menina põe à prova toda a repressão da sua criação e se disponibiliza
para os rituais característicos desse momento chave da vida adulta são tratados
quase como um filme de terror – e aí outra referência se faz evidente, Carrie, a Estranha (Brian de Palma, 1976).
As festas, os trotes, as amizades, o bullying,
o sexo representam o pano de fundo perfeito para a ambientação desta história.
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