De
tudo que tenho visto recentemente, um filme brasileiro me chamou bastante
atenção. Havia acompanhado parte da repercussão de Fala Comigo nesta mesma época do ano passado no Festival do Rio e
sabia que a jornada seria proveitosa, mas não estava preparado para a
sobriedade com que o tema da diferença de idade entre amantes seria tratado –
revelado na própria sinopse do filme. O título diz respeito a todos os
personagens da família retratada, que de uma forma ou de outra vivem
solitários, embora convivam diariamente no mesmo espaço esforçando-se para
evitar o contato entre si. Como eu estava absolutamente sem inspiração para
escrever, reproduzo o texto do Luiz Zanin Oricchio, capaz de despertar o
interesse dos poucos que passam por essas bandas.
Por
Luiz Zanin Oricchio
De início, o título do filme de
Felipe Sholl, Fala Comigo,
faz vibrar a recordação de Fale com Ela (2002), de Pedro Almodóvar. Neste, para quem se lembra, a questão era
conversar com uma pessoa em coma, sem qualquer certeza de estar sendo ouvido,
movendo-se apenas pelo imperativo categórico de tratar um ser vivo como vivo,
ainda que em estado suposto vegetativo.
Agora, no filme brasileiro, a
situação é outra, mas ainda assim continuamos no domínio do poder da fala, que
somente os ingênuos ou muito ignorantes supõem servir apenas para se comunicar.
Falar, escutar e sentir-se ouvido são necessidades humanas básicas, que nada
têm a ver com a comunicação mas com a dimensão subjetiva, pura e simples.
Daí que temos, em Fala Comigo, primeiro, uma situação estruturada por
essa dimensão da fala, que é a psicanálise. Clarice (Denise Fraga) é
psicanalista e Angela (Karine Teles) é uma de suas clientes. Cabe a uma ouvir e
a outra falar. Acontece que a doutora Clarice (Denise Fraga) tem um filho
adolescente, Diogo (Tom Karabachian), com o hábito de ligar para as pacientes
da mãe e manter com elas conversas eróticas. Esta é outra dimensão da fala, às
vezes ignorada, a de servir como veículo de erotismo. Não apenas dizemos que
determinadas vozes são “sensuais”, como sabemos da existência de serviços de
atendimento telefônico para este fim, espécies de Call Centers do amor.
O filme é bem encaminhado em sua
proposta original e trabalha em grau suave de erotismo, sem descambar para a
grosseria, mas também sem travar com o puritanismo. Mesmo porque, em etapa
posterior, o filme deverá mexer com outro tabu, um dos raros que ainda
subsistem no âmbito da sexualidade em nossa sociedade tida como liberada: o
preconceito com a diferença de idade entre os amantes. Homem velho com mocinha
é tachado de lobo, mas ainda é tolerado por uma questão de machismo. Quando se
trata de mulher mais velha com jovem, o caso é pior e sofre ainda mais
resistência social.
Há então esse subtema
interessante: mesmo pessoas inteligentes e avançadas podem se tornar
conservadoras e intolerantes quando o assunto é a sexualidade. Em especial, a
sexualidade dos filhos, vista como ameaçadora. De bom ritmo, bem filmado, Fala Comigo toca nesses pontos sensíveis sem qualquer
didatismo, como a dizer que a modernidade em determinados assuntos é mais
aparente que real.
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