quarta-feira, novembro 29, 2017

Born to be blue (Robert Budreau, 2016)


Vai chegando essa época do ano e iniciam-se as apostas para antecipar quem serão os vencedores na temporada de premiações que já dá as caras logo após o Réveillon. Os principais concorrentes já foram praticamente sinalizados, restando apenas algumas poucas produções para estrear até o Natal.

Como ando na fileira do fundo ultimamente, ainda estou repondo as produções estreadas no ano passado, premiadas ou não. Das que não foram cogitadas para qualquer premiação que seja Born To Be Blue (Robert Budreau, 2016) merece, e muito, a sua consideração, promovendo uma arejada num gênero bastante frutífero: as cinebiografias de músicos que sofreram o diabo na infância e/ou travaram um duelo nocivo com as drogas.

O filme é uma exploração ficcional da vida do jazzista Cher Baker, centrada nos anos em que ele se recuperava do vício em heroína, tentando provar que seu talento ainda estava em vigor. Expoente máximo da geração do cool jazz (também conhecido como West Coast jazz), Baker é o protagonista de uma biografia trágica, encarnando a figura do jazzista elegante, cool e autodestrutivo. A produção não busca a abordagem recorrente, do nascimento à morte, optando por explorar somente esse hiato na carreira do músico, suficiente para seduzir os convertidos e deixar os principiantes boquiabertos.

O ficcional do parágrafo anterior assume um papel importante desde a cena de abertura, filmada em preto e branco, explicitando a opção do diretor e roteirista de explorar o mito, ao tirar proveito da aproximação verídica que Baker cultivou com Hollywood. Embora o roteiro contenha passagens ocorridas na vida do músico, o filme não passa de uma representação consciente dela, valorizado pela interpretação soberba de Ethan Hawke (talvez a melhor de sua carreira).

O tratamento da dependência a base de metadona traz à tona o ser humano delicado, esforçado e inseguro, basicamente o personagem que o filme se presta a criar, em troca do sacrifício do artista e seu gênio. Não me recordo de algum filme que explore essa queda de braço silenciosa de forma tão eloquente (provavelmente ele deve existir!). É de doer a alma o momento em que ele coloca em palavras a sensação de tocar influenciado pela heroína “Time gets wider... I can get inside every note”. Uma batalha perdida para o ser humano, que se entrega de braços abertos aos caprichos do entorpecente.

Apesar dessa ênfase negativa do texto, o filme nunca abraça essa intenção por completo, tampouco explora o personagem de forma comiserada. Mesmo trabalhando numa nota mais pessimista, a personagem de Carmen Ejogo, com a qual Ethan Hawke contracena em boa parte do filme, uma espécie de personificação das namoradas reais de Chet Baker, evita que a produção engendre por essa seara.

Coincidentemente, eu vinha escutando um CD que tenho de Chet Baker nas últimas visitas que fiz aos meus pais e aos meus sogros. Depois do filme, a música assumiu outra dimensão.

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