Vai
chegando essa época do ano e iniciam-se as apostas para antecipar quem serão os
vencedores na temporada de premiações que já dá as caras logo após o Réveillon.
Os principais concorrentes já foram praticamente sinalizados, restando apenas
algumas poucas produções para estrear até o Natal.
Como
ando na fileira do fundo ultimamente, ainda estou repondo as produções
estreadas no ano passado, premiadas ou não. Das que não foram cogitadas para
qualquer premiação que seja Born To Be
Blue (Robert Budreau, 2016)
merece, e muito, a sua consideração, promovendo uma arejada num gênero bastante
frutífero: as cinebiografias de músicos que sofreram o diabo na infância e/ou
travaram um duelo nocivo com as drogas.
O
filme é uma exploração ficcional da vida do jazzista Cher Baker, centrada nos
anos em que ele se recuperava do vício em heroína, tentando provar que seu
talento ainda estava em vigor. Expoente máximo da geração do cool jazz (também
conhecido como West Coast jazz), Baker é o protagonista de uma biografia
trágica, encarnando a figura do jazzista elegante, cool e autodestrutivo. A
produção não busca a abordagem recorrente, do nascimento à morte, optando por
explorar somente esse hiato na carreira do músico, suficiente para seduzir os
convertidos e deixar os principiantes boquiabertos.
O
ficcional do parágrafo anterior assume um papel importante desde a cena de
abertura, filmada em preto e branco, explicitando a opção do diretor e
roteirista de explorar o mito, ao tirar proveito da aproximação verídica que
Baker cultivou com Hollywood. Embora o roteiro contenha passagens ocorridas na
vida do músico, o filme não passa de uma representação consciente dela,
valorizado pela interpretação soberba de Ethan Hawke (talvez a melhor de sua
carreira).
O
tratamento da dependência a base de metadona traz à tona o ser humano delicado,
esforçado e inseguro, basicamente o personagem que o filme se presta a criar,
em troca do sacrifício do artista e seu gênio. Não me recordo de algum filme
que explore essa queda de braço silenciosa de forma tão eloquente
(provavelmente ele deve existir!). É de doer a alma o momento em que ele coloca
em palavras a sensação de tocar influenciado pela heroína “Time gets wider... I
can get inside every note”. Uma batalha perdida para o ser humano, que se
entrega de braços abertos aos caprichos do entorpecente.
Apesar
dessa ênfase negativa do texto, o filme nunca abraça essa intenção por
completo, tampouco explora o personagem de forma comiserada. Mesmo
trabalhando numa nota mais pessimista, a personagem de Carmen Ejogo, com a qual
Ethan Hawke contracena em boa parte do filme, uma espécie de
personificação das namoradas reais de Chet Baker, evita que a produção engendre
por essa seara.
Coincidentemente,
eu vinha escutando um CD que tenho de Chet Baker nas últimas visitas que fiz aos
meus pais e aos meus sogros. Depois do filme, a música assumiu outra dimensão.
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