Eu algum momento da minha
trajetória de cinefilia, antes da difusão dos blogs e da existência das redes
sociais, quando eu convivia com o meu círculo de amigos e parentes, eu cheguei
a pensar que minha experiência cinematográfica tivesse alguma relevância - no
sentido de conhecimento acumulado da sétima arte. Essas ferramentas modernas,
que nos permitem enxergar o mundo num escopo muito mais amplo do que o espaço
físico que nos cerca, me recordam sistematicamente da minha ignorância nessa
questão. Se eu estivesse criando este singelo espaço hoje, por exemplo, seria
mais cauteloso ao nomeá-lo, evitando o termo “cinéfilo” em seu título. É muita
responsabilidade. Entusiasta talvez fosse uma palavra mais apropriada.
Estou divagando naturalmente,
muito embora essa questão já tenha cruzado o meu pensamento em outras ocasiões.
Escrevo isso hoje porque descobri só muito recentemente a obra de Alex Cox, a
qual desconhecia absolutamente. Imperdoável! Mesmo o diretor sendo um produto
dos anos 80, período que vivenciei em sua plenitude, me levou todos esses anos
(praticamente 30!) para encontrá-lo. Em algum momento do ano que se foi, o site My Two Thousand Movies prestou uma homenagem ao diretor disponibilizando para o
usuário quase toda a sua filmografia, cujo filme de estreia, Repo Man, só consegui assitir ontem.
Muitas vezes o rótulo de “filme
B” acaba mais por depreciar um filme do que por valorizá-lo. Não é o caso de Repo Man. É um autêntico produto dos
anos 80, muito bem acolhido pelo subgênero da ficção científica, o cyberpunk, fundindo uma sociedade
tecnológica (ainda que precária) com um visual sujo, bastante decadente e
regido pela violência. Uma mistura bem orquestrada de Larry Cohen, George
Romero, John Carpenter, David Cronenberg, etc. É interessantíssima a imagem de
Los Angeles captada por Robby Müller, fotógrafo contumaz de Wim Wenders. A cidade dos anjos encontra-se literalmente
em ruínas, exibindo lixo a céu aberto, desordem, caos urbano e uma sensação
incômoda de abandono. No ano passado o filme foi bastante lembrado na ocasião
do falecimento de Harry Dean Stanton, cujo papel desempenhado no filme tornou-se
um dos mais icônicos de sua longeva carreira.
Toda a trama envolvendo os alienígenas
funciona como um verdadeiro McGuffin
hitchcockiano, já que mobiliza todos os personagens do filme, sem que ofereça
qualquer esclarecimento para o espectador. Em torno deles, Alex Cox explora a
relação autoritária do governo e o lado promíscuo da igreja, retratando-as como
entidades que subtraem mais do que agregam ao indivíduo. Nada disso é
investigado num nível intelectualizado, muito pelo contrário, o filme funciona
perfeitamente como um programa de matinê - o tipo de trabalho que se produzia
às pencas na década de 80.
O diretor aproveita todo o
arsenal de referências que compuseram o seu background cinematográfico,
excelentemente compilados no programa de TV britânico “moviedrome” (de fácil
acesso na internet), exibido na BBC nas décadas de 80 e 90, trazendo à tona os
bastidores de filmes pouco convencionais, incompreendidos e /ou esquecidos,
reverenciados pelo seu entusiasmo cinéfilo como apresentador. Repo Man é repleto dessa energia
contagiante.
A quantidade de filmes interessantes é gigantesca. Mesmo quem está na faixa do 40 ou 50 anos de idade, tendo visto filmes a vida inteira, sempre descobrirá obras antigas que passaram batido.
ResponderExcluirUm dos pontos legais para quem curte cinema é a descoberta.
Parabéns pelo blog.
Obrigado Hugo! Sua visita é sempre bem vinda.
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