sexta-feira, dezembro 28, 2018

Beau Travail (Claire Denis, 1999)



Eu flerto com Beau Travail já faz uns bons anos, pelo menos desde a descoberta de Denis Lavant dos filmes de Leos Carax. Antes da sessão dele, vieram outros trabalhos de Claire Denis, sendo Nanette e Boni (1996) o único anterior na cronologia da sua filmografia. Tenho pouca familiaridade com a carreira dela, embora eu conheça relativamente bem dois dos seus renomados “mentores”: Jim Jarmusch e Wim Wenders.

Denis não é exatamente uma adepta da escola narrativa (no sentido de contar uma história com início, meio e fim), seu cinema é mais guiado pelas emoções ou pela experiência física dos seus personagens, cuja forma se constrói basicamente na sala de edição. Por mais que todo filme respeite essa lógica, em Claire Denis essa questão é mais orgânica - diálogos escassos e câmera colada nos personagens.

Ainda que meu conhecimento a respeito da sua carreira seja pouco aprofundado, ele foi suficiente pra orientar minha expectativa de forma apropriada. O que significa dizer, especificamente, que o cinema clássico norte americano não seria o modelo estrutural adotado, embora o filme seja uma adaptação livre de Billy Budd, um clássico da literatura mundial, de Herman Melville.

Seus soldados da Legião Estrangeira Francesa me trazem à lembrança outros filmes que também exploram combatentes em permanente treinamento para enfrentar a guerra que nunca acontece, enquanto experimentam um misto de ansiedade e tédio. A referência máxima seria O Deserto dos Tártaros (1976), de Valério Zurlini, embora ele seja mais elitista (envolve o alto escalão) e quase metafísico na relação estabelecida como o tempo; em Beau Travail os soldados são rasos e o tempo não recebe um tratamento metafórico.

Os soldados de Beau Travail estão mais para deuses gregos de corpos majestosos, laborando incessantemente sob o sol escaldante litorâneo, enquanto encenam involuntariamente para colonos africanos que os observam num misto de admiração e indiferença. A experiência militar, comumente associada à destruição e ao extermínio, encontra em Denis uma abordagem renovada, de rara beleza plástica, sem cair na armadilha do discurso anti-militarista entremeado pelo próprio espetáculo (imagético) da guerra.

A enigmática cena final, em que Denis Lavant dança ao ritmo de “The Rhythm of the Night” do Corona, reforça a ambiguidade dos relacionamentos explorados até então. É certo que o ato que promoveu o seu desligamento da Legião gerou um impacto emocional, só não sabemos ao certo qual foi. Sua espontaneidade corporal desperta no espectador um sentimento contraditório de exaltação e desolação: a fluência e a elasticidade natural do seu corpo parecem ter sido abafadas pela disciplina e o rigor do treinamento militar. O toque de Claire Denis repousa nessa capacidade de extrair sensibilidade e beleza de um material que é, por natureza, bruto.

2 comentários:

  1. Queria entender pelo menos um pouco de cinema para comentar sua resenha.
    Mas sou só espectadora.
    Esse filme não conheço.

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    1. Vale a pena Liliane, é de uma sensibilidade rara para um tema bruto como o treinamento militar. Qualquer filme desta diretora é digno de nota.

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