segunda-feira, fevereiro 06, 2012

2 Coelhos (Afonso Poyart, 2012)



Quando da reestréia de 2001, Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968) em cópia restaurada nos cinemas brasileiros em agosto de 1997, Ruy Castro escreveu um belíssimo ensaio para o jornal Estado de S.Paulo, intitulado Fita é tão do seu tempo que podia chamar-se 1968, em que alertava o leitor para o caráter ultra temporal que o filme carrega consigo. Ele conta que compareceu a três sessões na época de sua estréia e só voltou a revê-lo em 1974, quando a Metro o relançou. Ao revisitá-lo, seis anos depois, um “outro filme” se revelou para ele. “Não fui eu quem mudou nem o filme. Foi a época. 2001 era um filme tão do seu tempo que, pensando bem, poderia chamar-se 1968. Não porque o mundo que o filme retrata já existisse (nem de longe, embora o homem fosse pisar na Lua apenas um ano depois), mas porque era uma visão tipicamente 1968 de como o futuro seria. E não apenas quanto aos gadgets eletrônicos que ele mostrava, mas quanto a todo o espírito da época, embutido em cada fotograma do filme”.

Esse texto do Ruy Castro, sobretudo a expressão espírito da época, me veio à cabeça algumas vezes enquanto eu via 2 Coelhos e o vetor dessa lembrança, que me atormentou durante boa parte da projeção, foi a presença do ator Fernando Alves Pinto. Talvez o leitor esteja se perguntando o que me levou a estabelecer essa conexão meio esdrúxula. Já explico melhor.

O Fernando Alves Pinto debutou na tela grande como protagonista de um dos filmes mais emblemáticos da Retomada do cinema nacional: Terra Estrangeira (1995), de Walter Salles e Daniela Thomas. Após a extinção da Embrafilme pelo governo de Fernando Collor de Mello em 1989, a produção cinematográfica brasileira beirou a irrelevância (do ponto de vista de número de produções – de 1992 a 1994, apenas 13 longas conseguiram chegar ao circuito) e só voltou a chamar a atenção a partir de 1995, fortalecida pelos lançamentos de Terra Estrangeira e Carlota Joaquina – Princesa do Brasil (1995), de Carla Camurati. Ambos os filmes se tornaram representativos desse lamentável episódio porque estão impregnados do espírito da época em questão - e, naturalmente, porque são bons.

Nas palavras do crítico Pedro Butcher, “O que Terra Estrangeira projetou nas telas foi o reflexo de um sentimento generalizado da juventude da época. A falta de perspectivas e a desilusão política geraram um forte movimento de êxodo, que nas mãos de Walter Salles e Daniela Thomas se transformou em mescla lírica de road movie e filme noir. Terra Estrangeira partiu do desejo explícito de falar dessa geração que viveu na carne a crise do fim dos anos 80 e o começo dos 90. Sob o disfarce dos filmes de gênero, abriga temas que serão recorrentes nesta nova fase do cinema brasileiro (o que ficou conhecido como Cinema da Retomada), como a maternidade perdida, a procura do pai, o desenraizamento e a sensação de impotência e desilusão.”

Pois bem, eis que agora, 17 anos depois, o ator Fernando Alves Pinto, que andava esquecido em produções pouco expressivas, volta a interpretar um personagem em outro filme que carrega bem o espírito de sua época (o Brasil de hoje, no caso): 2 Coelhos. O país e o cinema brasileiro experimentam atualmente uma condição bem distinta daquela vivida pelos “caras pintadas” durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Embora a corrupção do meio político ainda caminhe a passos largos, a estabilidade econômica conquistada à duras penas combinada à crise financeira que varre os países do Primeiro Mundo, alterou a percepção que o Brasil desperta no âmbito nacional e internacional para melhor. O Brasil é visto como a terra das oportunidades; de repente passamos a ser necessários, indispensáveis. Parodiando o linguajar cinematográfico, deixamos de ser coadjuvantes para nos tornarmos protagonistas da história (a euforia condiz com as circunstâncias). O nosso cinema, que durante muito tempo foi taxado de pobre e amador (sobretudo do ponto de vista técnico), tem emplacado produções mais robustas e atraentes, ainda que não necessariamente relevantes (sobretudo do ponto de vista crítico). O modelo adotado como referência é o americano – o mais bem aceito, sinônimo de sucesso de público.

Enquanto o Paco de Terra Estrangeira deixava o país pra trás – pelas razões listadas pelo Pedro Butcher -, o Edgar de 2 Coelhos volta para o Brasil depois de uma temporada em Miami. Embora os motivos de seu retorno não sejam propriamente os mesmos que atraem uma legião de estrangeiros ao nosso Brasil de hoje, esse herói dos nossos tempos retorna determinado a fazer justiça (ou melhor, vingança) e combater a corrupção que assola o nosso país. Guardadas as devidas proporções, Edgar não deixa de ser uma cria do Capitão Nascimento de Tropa de Elite - numa vertente menos pretensiosa (ele não pretende acabar com a corrupção do país) e mais bem humorada. O típico herói americano que faz justiça com as próprias mãos. Ele se vale da inércia do Estado corrupto para agir conforme os seus (ou talvez, os nossos) princípios morais.

A influência norte-americana não se nota apenas na composição dos personagens, ela se faz presente também na linguagem e na estética adotadas para narrar o filme. Terra Estrangeira foi filmado em preto e branco, carregado de tons cinza (melancólico), ritmo lento e contemplativo, bem representativo do momento (quase fúnebre) retratado. Um filho legítimo do cinema de Wim Wenders, cuja influência é reconhecida pelo próprio Walter Salles – mais reflexão e menos divertimento. 2 Coelhos é bem colorido, cool, repleto de recursos gráficos, muito ágil, abusa do emprego da câmera lenta, com uma linguagem que o aproxima do universo dos games e deixa transparecer uma liberdade extasiante. É muito influenciado pelo cinema de gênero asiático e pelo estilo do inglês Guy Ritchie (Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes, Snatch – Porcos e Diamantes e Rock’n’Rolla – A Grande Roubada). Ele foi concebido com a estética vigente das produções americanas que encabeçam as listas de preferência do grande público – um filme basicamente para entreter.

Enfim, goste-se ou não, 2 Coelhos é um produto bem característico do nosso tempo – com tudo o que essa afirmação carrega de bom e de ruim. O filme deve ser o primeiro de uma nova safra do cinema nacional a explorar essas conquistas tecnológicas até então inimagináveis. Mesmo não sendo exatamente a minha praia, o filme tem seus méritos e vale como diversão. Para um estreante como Afonso Poyart, está de muito bom tamanho.

2 comentários:

  1. Também não achei ruim de todo. O roteiro é que falha.

    O Falcão Maltês

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  2. Embora a Alessandra Negrini seja uma baita atriz (e belíssima, a propósito) os "affairs" dela na trama ficaram bem forçados.

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