domingo, fevereiro 12, 2012

J. Edgar (Clint Eastwood, 2011)



“Quando você é alguém que pratica a violência, quando você se envolve nesse tipo de coisa, você rouba sua própria alma, tanto quanto a da pessoa contra quem está cometendo um ato de violência”.
Clint Eastwood, A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies (1995)

Se olharmos com generosidade para o universo do diretor Clint Eastwood, veremos que uma gama considerável de seus filmes aborda o tema do amor, da aproximação e/ou do afeto (nas mais diversas vertentes: homem-mulher, pai-filho, mãe-filho, mentor-aprendiz). Talvez aquele que assume um caráter mais convencional dentre todos eles seja As Pontes de Madison (1995) – um romance (fortuito) “proibido” entre dois adultos na terceira idade. Curiosamente, é nesse filme que o papel da mulher assume uma relevância maior em sua filmografia. Mesmo quando o lirismo e a sensibilidade tomam a frente das suas produções, é o universo masculino que prevalece – salvo em Menina de Ouro (2004) e A Troca (2008).

Posto dessa forma, não é de estranhar que J. Edgar (2011), último filme de Eastwood, também enverede pelo caminho tortuoso da compreensão, do afeto, e porque não do romance – indo (quase) contra todas as características inerentes ao projeto. Essa designação soa estranha em razão da natureza (pouco amistosa) do personagem em questão – ao menos, a sua faceta que veio a público: o que esperar de um longa-metragem que pretende ser uma biografia, dentre as inúmeras possibilidades que o roteiro poderia adotar, do homem que fundou e chefiou o FBI (Federal Bureau of Investigation) por 48 anos? Ninguém suporia que o resultado daria num romance, o bom senso nos leva a crer que o gênero adotado seria o policial.

Na verdade, trata-se mais precisamente de um não-romance. O ato de amor, ou melhor, o sexo, nunca é consumado. Testemunhamos um longo e demorado processo de renúncia. A incerteza que paira sobre o romance (não comprovado) em questão – entre J. Edgar Hoover (Leonardo DiCaprio) e Clyde Tolson (Armie Hammer), seu braço direito – configura um terreno fértil pra Clint Eastwood traçar um perfil mais fantasioso (embora nunca desrespeitoso) do seu protagonista. Os fatos históricos estão quase todos lá, todavia o objeto de interesse do diretor se manifesta, sobretudo, na esfera privada do personagem. Eastwood se esforça para evitar que o seu personagem seja reduzido a um mero estereótipo: o homossexual. O conflito travado por ele entre o público (a imagem que ele criou de si próprio) e o privado (a imagem que ele tem de si próprio, muito bem representada pela magnífica cena em que ele veste a roupa da mãe) é muito bem resolvido.

Conforme atesta o depoimento de Clint Eastwood que abre esse post – a propósito de Os Imperdoáveis (1992) –, é de se supor que os demônios que assombraram J. Edgar Hoover ao longo de sua vida não tenham sido poucos. Pra preservar sua imagem pública de implacável, ele se viu obrigado a sacrificar o que mais lhe importava. Talvez o verdadeiro Hoover não tenha sido submetido a tamanho martírio, o de Clint Eastwood pagou o alto preço da renúncia.

O melhor texto a respeito do filme foi o José Geraldo Couto quem publicou. Vale uma conferida.

4 comentários:

  1. Grande atuação de DiCaprio. Digno de Oscar.

    Cumprimentos cinéfilos e apareça!

    O Falcão Maltês

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  2. Estou curioso demais para ver, mesmo com algumas críticas negativas que ele tem recebido e mesmo eu não tendo gostado tanto de "Além da Vida". Gostei da tua abordagem do filme, foi a única que li até agora que buscou um outro viés que não aquele reproduzido em larga escala pela crítica especializada...

    P.S. Discordo que "As Pontes de Madison" seja sobre um romance na terceira idade, a Meryl na ocasião estava com 46 aninhos, uma menina...

    http://sublimeirrealidade.blogspot.com/

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    Respostas
    1. Bruno, espero que você assista e goste. Eu não consigo ver um filme de Clint Eastwood sem que ele se comunique com algum outro (no mínimo) da sua extensa carreira.

      Você tem absoluta razão quanto a minha bola fora em "As Pontes de Madison". O cabelo grisalho de Eastwood na filmagem me levou a uma dedução equivocada. Por incrível que pareça, não falta muito para o filme completar 20 anos de existência. Valeu.

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