“Quando você é alguém que pratica a
violência, quando você se envolve nesse tipo de coisa, você rouba sua própria
alma, tanto quanto a da pessoa contra quem está cometendo um ato de violência”.
Clint Eastwood, A Personal Journey with Martin Scorsese
Through American Movies (1995)
Se olharmos com generosidade para
o universo do diretor Clint Eastwood, veremos que uma gama considerável de seus
filmes aborda o tema do amor, da aproximação e/ou do afeto (nas mais diversas
vertentes: homem-mulher, pai-filho, mãe-filho, mentor-aprendiz). Talvez aquele
que assume um caráter mais convencional dentre todos eles seja As Pontes de Madison (1995) – um romance
(fortuito) “proibido” entre dois adultos na terceira idade. Curiosamente, é nesse
filme que o papel da mulher assume uma relevância maior em sua filmografia.
Mesmo quando o lirismo e a sensibilidade tomam a frente das suas produções, é o
universo masculino que prevalece – salvo em Menina
de Ouro (2004) e A Troca (2008).
Posto dessa forma, não é de
estranhar que J. Edgar (2011), último
filme de Eastwood, também enverede pelo caminho tortuoso da compreensão, do
afeto, e porque não do romance – indo (quase) contra todas as características inerentes
ao projeto. Essa designação soa estranha em razão da natureza (pouco amistosa) do
personagem em questão – ao menos, a sua faceta que veio a público: o que
esperar de um longa-metragem que pretende ser uma biografia, dentre as inúmeras
possibilidades que o roteiro poderia adotar, do homem que fundou e chefiou o
FBI (Federal Bureau of Investigation) por 48 anos? Ninguém suporia que o
resultado daria num romance, o bom senso nos leva a crer que o gênero adotado
seria o policial.
Na verdade, trata-se mais
precisamente de um não-romance. O ato de amor, ou melhor, o sexo, nunca é
consumado. Testemunhamos um longo e demorado processo de renúncia. A incerteza que
paira sobre o romance (não comprovado) em questão – entre J. Edgar Hoover (Leonardo
DiCaprio) e Clyde Tolson (Armie Hammer), seu braço direito – configura um
terreno fértil pra Clint Eastwood traçar um perfil mais fantasioso (embora
nunca desrespeitoso) do seu protagonista. Os fatos históricos estão quase todos
lá, todavia o objeto de interesse do diretor se manifesta, sobretudo, na esfera
privada do personagem. Eastwood se esforça para evitar que o seu personagem
seja reduzido a um mero estereótipo: o homossexual. O conflito travado por ele entre
o público (a imagem que ele criou de si próprio) e o privado (a imagem que ele
tem de si próprio, muito bem representada pela magnífica cena em que ele veste
a roupa da mãe) é muito bem resolvido.
Conforme atesta o depoimento de Clint
Eastwood que abre esse post – a
propósito de Os Imperdoáveis (1992) –,
é de se supor que os demônios que assombraram J. Edgar Hoover ao longo de sua
vida não tenham sido poucos. Pra preservar sua imagem pública de implacável,
ele se viu obrigado a sacrificar o que mais lhe importava. Talvez o verdadeiro Hoover
não tenha sido submetido a tamanho martírio, o de Clint Eastwood pagou o alto
preço da renúncia.
O melhor texto a respeito do
filme foi o José Geraldo Couto quem publicou. Vale uma conferida.
Grande atuação de DiCaprio. Digno de Oscar.
ResponderExcluirCumprimentos cinéfilos e apareça!
O Falcão Maltês
Nahud, obrigado pela visita. Abraço.
ExcluirEstou curioso demais para ver, mesmo com algumas críticas negativas que ele tem recebido e mesmo eu não tendo gostado tanto de "Além da Vida". Gostei da tua abordagem do filme, foi a única que li até agora que buscou um outro viés que não aquele reproduzido em larga escala pela crítica especializada...
ResponderExcluirP.S. Discordo que "As Pontes de Madison" seja sobre um romance na terceira idade, a Meryl na ocasião estava com 46 aninhos, uma menina...
http://sublimeirrealidade.blogspot.com/
Bruno, espero que você assista e goste. Eu não consigo ver um filme de Clint Eastwood sem que ele se comunique com algum outro (no mínimo) da sua extensa carreira.
ExcluirVocê tem absoluta razão quanto a minha bola fora em "As Pontes de Madison". O cabelo grisalho de Eastwood na filmagem me levou a uma dedução equivocada. Por incrível que pareça, não falta muito para o filme completar 20 anos de existência. Valeu.