domingo, março 25, 2012

O Estado das Coisas (Wim Wenders, 1982)


Quando eu filmei Alice nas Cidades (1973), alguns anos antes, nos anos 70, isso [filmar nos Estados Unidos] parecia um privilégio. Quando fui para lá em 1977, muito jovem, vivenciei grandes experiências, viajei muito, fotografei cidades. Fui para lá com a ideia ingênua de que os filmes que me eram oferecidos, como Hammett (1982), me tornariam um americano, seriam ótimos. Depois de um ano ou dois, não filmando nenhum roteiro acabado e não chegando a lugar nenhum, usando um roteirista depois do outro, percebi que nunca encontraria uma saída. Não tinha nada.

Podia olhar a história que tinha sido oferecida para mim e que eu tinha aceitado dirigir [Hammett, produzida por Francis Ford Coppola] e poderia fazer o possível para entender as ideias do produtor. Mas não poderia ser bem sucedido. Demorei algum tempo para perceber isso. Foi doloroso também porque achava que poderia me tornar americano. Casei com Ronee Blakley, que aparece em Nick’s Film – Lightning Over Water (1980). Vi que não só não conseguiria fazer um filme americano, mas também não me tornaria um americano. Continuava sendo um europeu, e permaneceria um alemão. Não havia nada a fazer.

Foi uma descoberta difícil, e o filme que fiz [Hammett] era vital para Francis [Ford Coppola]. Ele insistia em suas ideias, enquanto eu insistia nas minhas. Essa briga aconteceu até o último corte do filme. Permanecemos amigos, nos respeitamos... No final do filme Ronee e eu já estávamos separados. Percebi que não poderia voltar para casa, para a Alemanha. O filme que queria finalizar, ainda não tinha conseguido fazer.

O Estado das Coisas (1982) – filmado na época – permitiu que eu sobrevivesse como artista. Não tinha a ver com um conflito de identidade, mas com minhas ideias sobre o que era fazer um filme. Eu não podia voltar para casa porque sentia que não tinha nada em minhas mãos para voltar. (...).
Wim Wenders, Na Estrada – O Cinema de Walter Salles

Esse estado de suspensão, angústia e letargia relatado por Wim Wenders na entrevista a Marcos Strecker, autor do livro Na Estrada - O Cinema de Walter Salles, é a base de O Estado das Coisas - a história dos bastidores de uma produção de ficção científica B que se vê abandonada por seu produtor, forçando o diretor a sair em sua busca (o pretexto para um road movie). Wenders converteu a sua própria experiência traumática em Cinema. O terço final do filme, situado em Los Angeles, evidencia o olhar estrangeiro de Wenders para a cultura americana – McDonald’s, Tiny Naylor’s, o trailer (automóvel), a Calçada da Fama (um close no nome de Fritz Lang, o diretor alemão que deu às costas ao nazismo e iniciou uma carreira bem sucedida nos EUA) e a Los Angeles noturna. A fotografia de Henri Alekan realça esse efeito, especialmente nas tomadas de dentro do trailer enquadrando as ruas de LA no segundo plano. Todo o imaginário coletivo proporcionado pelo cinema norte americano é captado pelas lentes de Henri Alekan/Wim Wenders, sobretudo a LA dos film noir. É um olhar deslumbrado, de reverência, ao mesmo tempo decepcionado e desiludido. O assassinato (simbólico) do produtor no desfecho é sublime, irônico que tenha sido encomendado pelos gangsteres que lhe financiavam – a relação escusa de Hollywood. O Caminho para o Nada (2010), de Monte Hellman, adota um discurso semelhante numa linha narrativa mais fantasiosa, ilusória.

(...) Para mim, o cinema americano, como um todo, foi uma enorme influência. De uma forma muito diferente, mesmo alguém como Fritz Lang, que infelizmente não cheguei a conhecer, é para mim o melhor diretor dos Estados Unidos. Aprendi tanto com o cinema americano... – com Samuel Fuller, John Ford, mais do que com qualquer outra pessoa que tenha conhecido. Para mim, ir para lá filmar significava que ia para o lugar onde todo o cinema que adorava tinha sido feito. E isso no sistema dos grandes estúdios [de Hollywood], onde trabalharam os caras que eu admirava. Nomes como Nicholas Ray e Samuel Fuller sempre foram de alguma forma rebeldes, renegados. Ainda assim, quando fui para lá sentia que ia para o verdadeiro coração do cinema. Não sabia que estava indo para o “coração das trevas” [dupla referência ao filme Apocalypse Now, de Coppola, e ao livro de Joseph Conrad que o inspirou].
Wim Wenders, Na Estrada – O Cinema de Walter Salles

2 comentários:

  1. Pena que Wenders não conseguiu manter o mesmo nível de excelência ao longo de sua carreira. Minha expectativa quanto a Pina é altíssima. Vejamos no que vai dar.

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