Quando eu filmei Alice nas Cidades (1973), alguns anos antes, nos anos 70, isso [filmar nos Estados Unidos] parecia
um privilégio. Quando fui para lá em 1977, muito jovem, vivenciei grandes
experiências, viajei muito, fotografei cidades. Fui para lá com a ideia ingênua
de que os filmes que me eram oferecidos, como Hammett (1982), me tornariam um americano, seriam ótimos.
Depois de um ano ou dois, não filmando nenhum roteiro acabado e não chegando a
lugar nenhum, usando um roteirista depois do outro, percebi que nunca
encontraria uma saída. Não tinha nada.
Podia olhar a história que tinha sido oferecida para mim e que eu tinha
aceitado dirigir [Hammett, produzida
por Francis Ford Coppola] e poderia fazer o possível para entender as ideias do
produtor. Mas não poderia ser bem sucedido. Demorei algum tempo para perceber
isso. Foi doloroso também porque achava que poderia me tornar americano. Casei
com Ronee Blakley, que aparece em Nick’s Film – Lightning Over Water (1980). Vi que não só não conseguiria fazer um
filme americano, mas também não me tornaria um americano. Continuava sendo um
europeu, e permaneceria um alemão. Não havia nada a fazer.
Foi uma descoberta difícil, e o filme que fiz [Hammett] era vital para Francis [Ford Coppola]. Ele
insistia em suas ideias, enquanto eu insistia nas minhas. Essa briga aconteceu
até o último corte do filme. Permanecemos amigos, nos respeitamos... No final
do filme Ronee e eu já estávamos separados. Percebi que não poderia voltar para
casa, para a Alemanha. O filme que queria finalizar, ainda não tinha conseguido
fazer.
O Estado das Coisas (1982) – filmado na época – permitiu que eu
sobrevivesse como artista. Não tinha a ver com um conflito de identidade, mas
com minhas ideias sobre o que era fazer um filme. Eu não podia voltar para casa
porque sentia que não tinha nada em minhas mãos para voltar. (...).
Wim Wenders, Na Estrada – O Cinema de Walter Salles
Esse estado de suspensão,
angústia e letargia relatado por Wim Wenders na entrevista a Marcos Strecker,
autor do livro Na Estrada - O Cinema de Walter Salles, é a base
de O Estado das Coisas - a história dos
bastidores de uma produção de ficção científica B que se vê abandonada por seu
produtor, forçando o diretor a sair em sua busca (o pretexto para um road movie). Wenders converteu a sua própria experiência traumática
em Cinema. O terço final do filme, situado em Los Angeles, evidencia o olhar
estrangeiro de Wenders para a cultura americana – McDonald’s, Tiny Naylor’s, o
trailer (automóvel), a Calçada da Fama (um close
no nome de Fritz Lang, o diretor alemão que deu às costas ao nazismo e iniciou
uma carreira bem sucedida nos EUA) e a Los Angeles noturna. A fotografia de
Henri Alekan realça esse efeito, especialmente nas tomadas de dentro do trailer
enquadrando as ruas de LA no segundo plano. Todo o imaginário coletivo proporcionado
pelo cinema norte americano é captado pelas lentes de Henri Alekan/Wim Wenders,
sobretudo a LA dos film noir. É um
olhar deslumbrado, de reverência, ao mesmo tempo decepcionado e desiludido. O assassinato
(simbólico) do produtor no desfecho é sublime, irônico que tenha sido
encomendado pelos gangsteres que lhe financiavam – a relação escusa de
Hollywood. O Caminho para o Nada (2010),
de Monte Hellman, adota um discurso semelhante numa linha narrativa mais fantasiosa,
ilusória.
(...) Para mim, o cinema americano, como um todo, foi uma enorme
influência. De uma forma muito diferente, mesmo alguém como Fritz Lang, que infelizmente
não cheguei a conhecer, é para mim o melhor diretor dos Estados Unidos. Aprendi
tanto com o cinema americano... – com Samuel Fuller, John Ford, mais do que com
qualquer outra pessoa que tenha conhecido. Para mim, ir para lá filmar
significava que ia para o lugar onde todo o cinema que adorava tinha sido
feito. E isso no sistema dos grandes estúdios [de Hollywood], onde trabalharam
os caras que eu admirava. Nomes como Nicholas Ray e Samuel Fuller sempre foram
de alguma forma rebeldes, renegados. Ainda assim, quando fui para lá sentia que
ia para o verdadeiro coração do cinema. Não sabia que estava indo para o “coração
das trevas” [dupla referência ao filme Apocalypse Now, de Coppola, e ao livro de Joseph Conrad que o inspirou].
Wim Wenders, Na Estrada – O Cinema de Walter Salles
Simples e poético. Belo momento de Wenders.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Pena que Wenders não conseguiu manter o mesmo nível de excelência ao longo de sua carreira. Minha expectativa quanto a Pina é altíssima. Vejamos no que vai dar.
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