sexta-feira, setembro 16, 2011

Singularidades de Manoel de Oliveira



Não é de estranhar que Manoel de Oliveira reserve as melhores falas de Singularidade de uma Rapariga Loura (2009) ao personagem do tio Francisco (Diogo Dória): ora pois, como diria um autêntico português, ele é o alter ego de Oliveira, o único personagem sóbrio de todo o filme. De início pensamos tratar-se de um carrasco insensível, um homem amargurado que praticamente boicota a felicidade do sobrinho Macário (Ricardo Trêpa), despedindo-o quando toma conhecimento das suas intenções de casar-se com a bela vizinha Luísa (Catarina Wallenstein). Ocorre que, assim como Macário, também nos apaixonamos de imediato pela bela Luísa e seu leque chinês, de forma que torcemos por ele.

A mesma imagem que confunde a cabeça de Macário engana os nossos sentidos: se converterá numa verdadeira armadilha, como saberemos. Bem como ele, enxergamos apenas a superfície, o invólucro, não o seu conteúdo. Aquilo que vemos – ou talvez, aquilo que queremos ver – não comporta imperfeições ou questionamentos; sendo assim, como julgar por mal uma imagem imaculada, cândida como a de Luísa?

A virada de mesa, que determinará o verdadeiro julgamento que faremos do tio, vem da mesma linhagem retórica que levou Manoel de Oliveira a costurar seus últimos filmes: a ironia (que, aliás, foi muito bem aproveitada do texto de Eça de Queiroz). O tio, que já enxergava o conteúdo desde os primeiros flertes, tentou avisar o jovem contador da impostora, porém foi injustamente tomado por insensível, desumano. Ao final, entenderemos que Macário deveria tê-lo escutado, mas aí já terá sido tarde. A cena em que o tio aceita o sobrinho de volta como colaborador e aprova seu casamento, mesmo desgostoso de suas decisões matrimoniais, é um primor de realização - dá até pra imaginar Oliveira se divertindo atrás das câmeras, sarcástico.

Tudo em enxutos 63 minutos. Não dá pra desrespeitar um senhor de mais de 100 anos de idade.

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