Não é de estranhar que Manoel de
Oliveira reserve as melhores falas de Singularidade
de uma Rapariga Loura (2009) ao personagem do tio Francisco (Diogo Dória): ora pois, como diria um autêntico português,
ele é o alter ego de Oliveira, o único personagem sóbrio de todo o
filme. De início pensamos tratar-se de um carrasco insensível, um homem
amargurado que praticamente boicota a felicidade do sobrinho Macário (Ricardo
Trêpa), despedindo-o quando toma conhecimento das suas intenções de casar-se
com a bela vizinha Luísa (Catarina Wallenstein). Ocorre que, assim como
Macário, também nos apaixonamos de imediato pela bela Luísa e seu leque chinês,
de forma que torcemos por ele.
A mesma imagem que confunde a
cabeça de Macário engana os nossos sentidos: se converterá numa verdadeira
armadilha, como saberemos. Bem como ele, enxergamos apenas a superfície, o
invólucro, não o seu conteúdo. Aquilo
que vemos – ou talvez, aquilo que queremos ver – não comporta imperfeições ou questionamentos;
sendo assim, como julgar por mal uma imagem imaculada, cândida como a de Luísa?
A virada de mesa, que determinará
o verdadeiro julgamento que faremos do tio, vem da mesma linhagem retórica que levou
Manoel de Oliveira a costurar seus últimos filmes: a ironia (que, aliás, foi muito
bem aproveitada do texto de Eça de Queiroz). O tio, que já enxergava o conteúdo desde os primeiros flertes,
tentou avisar o jovem contador da impostora, porém foi injustamente tomado por insensível,
desumano. Ao final, entenderemos que Macário deveria tê-lo escutado, mas aí já
terá sido tarde. A cena em que o tio aceita o sobrinho de volta como
colaborador e aprova seu casamento, mesmo desgostoso de suas decisões
matrimoniais, é um primor de realização - dá até pra imaginar Oliveira se
divertindo atrás das câmeras, sarcástico.
Tudo em enxutos 63 minutos. Não
dá pra desrespeitar um senhor de mais de 100 anos de idade.
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