sábado, novembro 30, 2013

Blue Jasmine (Woody Allen, 2013)


Sempre que eu abuso demais do lado analítico do meu cérebro, só um intensivo em matéria de humanas para reestabelecer o meu equilíbrio mental. O cinema sempre foi a minha escolha predileta para exercer essa função. A música também cumpre muito bem esse papel. Mesmo que as circunstâncias que costumam me levar a eles sejam bem mais abrangentes, eu gosto do caráter terapia que por vezes eles assumem – naturalmente, quando se prestam a isso. Nessas ocasiões, até o ato de escrever acaba sendo um exercício de descarga emocional – embora um tanto quanto custoso (pelo menos pra mim). A fadiga do raciocínio dificulta a escolha das palavras, mas não esconde a satisfação de ver um texto tomar corpo, mesmo quando curto.

Eu ainda não fui capaz de estabelecer a posição que Blue Jasmine ocuparia numa provável relação minha de melhores do Woody Allen. Não estou certo de que “se trata do melhor Woody Allen desde Match Point (2005)” como afirmam alguns sites, mesmo porque o meu Match Point é outro filme dele, Crimes e Pecados (1989). Essa é uma briga que eu não compro porque é natural que cada um tenha a sua preferência. Sobretudo em uma filmografia como a de Woody Allen, com inúmeros títulos excelentes, não seria incomum encontrar listas bastante díspares - sem qualquer prejuízo para a qualidade das seleções.

O diretor norte-americano não dá propriamente um testemunho sobre a crise financeira que assolou os EUA em 2008 (política nunca foi o seu forte), mas aproveita o mote para explorar uma estrutura de roteiro que já lhe valeu um registro cômico da situação, em Trapaceiros (2000), desenvolvida em Blue Jasmine numa inclinação mais dramática: enquanto no primeiro os small time crooks do título original ascendiam da classe média a classe abastada num verdadeiro golpe (hilário) de sorte do destino, no segundo a socialite casada com um corrupto vê a sua condição de fartura material ruir junto com a falência dos bancos que os bancaram (ao final, veremos que as coisas não foram bem assim...). Em ambos, Woody Allen investe na dicotomia burlesca que separa esses dois mundos, povoando as cenas com personagens caricatos, em uma decisão que garante a empatia do público ao mesmo tempo em que aponta as limitações de alcance do seu discurso. O registro cômico de Trapaceiros se mostra mais apropriado para abraçar esse formato. Em Trapaceiros, a risada tem um cunho de gozação; em Blue Jasmine, a presença dela pontua a narrativa de forma irônica.

O filme funciona perfeitamente como um precioso estudo de personagem (character study), valorizado pela atuação assombrosa de Cate Blanchett, bem como de todo o elenco de suporte. Mais um conto moral de Woody Allen em que o acaso assume um papel fundamental, pregando uma peça no universo de certezas do espectador. O diretor puxou o meu tapete mais uma vez.

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