segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Pialat, Dardennes e Bresson


Infância Nua (Maurice Pialat, 1968) - meu primeiro Pialat. Um olhar menos romântico e nostálgico sobre a infância, que lembrou muito a minha própria. O "peso da existência" exerce um efeito extraordinário sobre o protagonista, envolto frequentemente com as consequências das suas próprias diabruras e com o julgamento impassível dos seus tutores (cujas cenas são realmente desconcertantes). O personagem da avó equilibra essa relação de confronto dele com o mundo, numa das grandes representações dessa figura registrada em película (aqui, particularmente, o emprego dessa expressão ainda faz sentido).

Pialat não possui uma estilística sistemática ou um programa textual recorrente ao qual o crítico pode se ater para analisar sua obra. O estilo de Pialat não é uma forma particular de compor o quadro, movimentar a câmera ou conduzir a narrativa. Tampouco há motivos visuais recorrentes na obra de Pialat, ou cores de predileção. Sua mise en scène frustra os cinéfilos acostumados a encontrar a assinatura estilística de um autor nos lugares em que ela mais comumente se manifesta (a linguagem visual, a composição plástica, a “escritura”). O estilo-Pialat é tão somente sua maneira particular de atacar o real, seu olhar direto e nada indulgente para tudo o que está diante da câmera.
Luis Carlos Oliveira Jr.


Dois dias, Uma noite (Jean-Pierre e Luc Dardenne, 2014) - eu vejo o pouco entusiasmo da crítica com o novo filme dos irmãos belgas se manifestar da mesma forma na obra de Woody Allen. Argumenta-se que o cinema deles atingiu um esgotamento estilístico/temático, necessitando uma oxigenação. É como dar murro em ponta de faca. O que não falta nessa amostragem é relevância. A meu ver, o domínio narrativo permanece afiadíssimo, bem equilibrado entre o controle e a espontaneidade. Tomara que a indicação ao Oscar de Marion Cotillard desperte a atenção dos desavisados à obra pregressa da dupla. É uma experiência e tanto.



Uma Mulher Delicada (Robert Bresson, 1969) - um Bresson menos comentado, nem por isso menos relevante. A primeira adaptação formal de uma obra de Dostoiévski, cuja influência já permeava o horizonte do seu trabalho. Embora seja um Bresson mais acessível, eu não diria que seja uma boa porta de entrada para o seu universo. O estilo lacônico do diretor pode afastar os entendidos em DR's, habituados a uma lavagem de roupa histriônica. Seus "manequins" quase não se manifestam, enclausurados pela "não relação" desenvolvida na tela, bem como pela rigidez habitual de Bresson. A mulher delicada do título dificilmente seria uma integrante do Movimento de Maio de 68, cujas posições ideológicas sustentadas eram contrárias à ideia de matrimonio (mesmo que isso não representasse formalmente uma bandeira do Movimento). De uma forma ou de outra, a Geração de 68 já nascia morta.

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