Desde que vi Conte
Comigo (2000), quando da sua estreia, aguardava o momento em que Kenneth
Lonergan se comprometeria com outro projeto, tamanha a minha admiração pela
abordagem do seu material cinematográfico: o ser humano. Mesmo tendo gravado Margaret há mais de dois anos da rede de
programação do Telecine, só o vi há alguns dias. Imagino que o atraso para o
lançamento do filme em quase 6 anos (li em algum lugar que a produção seria de
2005), de alguma forma deve ter influenciado o resultado final (Martin Scorsese
e Thelma Schoonmaker foram chamados para contribuir no processo de edição,
quando as diferenças entre o estúdio e o diretor passaram a ser julgadas no
âmbito jurídico). Em determinados pontos da narrativa, sobretudo aqueles que
registram o cotidiano da vida estudantil da protagonista (a sala de aula, os
professores, as discussões, os flertes), parece que o filme vai sair dos
trilhos e se embrenhar por um atalho que não lhe permitirá retornar com fôlego
ao seu eixo central: o dilema moral da personagem central causado pelo falso
testemunho dado às autoridades, logo no início do filme, que poupou o
encarceramento do motorista de ônibus envolvido no acidente de trânsito, mas
custou a vida de uma transeunte. Aos poucos vai ficando claro que o diretor
pretende, por meio do tormento vivido pela protagonista, tecer um panorama das
relações humanas contemporâneas na cidade que foi assolada pelos atentados
terroristas de 11 de setembro. Nenhum personagem é poupado, não há
comiseração envolvida, ainda que ninguém possa argumentar que Lonergan trate
seus personagens sem compaixão.
O filme é simplesmente o desdobramento de uma ação perpetrada
pela protagonista e as suas consequências sobre todos os indivíduos que mantêm
uma relação com ela. É um registro da forma como o meio influencia a sua
percepção de mundo e como ela reage em decorrência dessa influência - sem nunca
perder de vista as imperfeições inerentes à nossa espécie. Ela erra muito, praticamente
o tempo todo, mesmo quando se esforça procurando acertar. O papel da protagonista
é um presente imensurável para a jovem Anna Paquin, que surpreende
interpretando o que pode ter sido o personagem da sua vida (mesmo levando em
conta que ela seja nova e ainda tenha uma longa carreira pela frente). A mão do
diretor se faz bem menos presente (num bom sentido) do que nos filmes de Asghar
Farhadi, que manipula a relação com o espectador confiscando informações dos
personagens, reveladas a conta gotas conforme a sua conveniência (a fim de
sustentar o interesse do público). Em Margaret não existe tal recurso, Lonergan desenvolve sua narrativa
às claras conduzindo seus personagens como se eles fossem senhores dos seus
destinos, seguro de que o controle do todo permanece irrestritamente sob o seu
jugo. Excelente filme.
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