Michel Ciment: Você foi criticado, há alguns anos, por fazer filmes que
não tratavam de problemas individuais. Seu projeto de filmar Breve Romance de Sonho de Schnitzler, e
depois a realização de Barry Lyndon e hoje de O
Iluminado o levaram, ao contrário, a mostrar relações em uma família ou em
um casal.
Stanley Kubrick: Talvez, mas não foi proposital. É difícil, para
todo cineasta que não escreve roteiros originais, fazer uma escolha, e quanto
mais filmamos, mais o leque das escolhas parece reduzido. É difícil achar algo
que nos estimule, que nos dê alguma esperança de interessar os outros, e que já
não tenhamos filmado.
Por outro lado, quando foi outra
pessoa que escreveu a história, você tem a experiência da primeira leitura, com
impressões que nunca mais sentirá. E o juízo que você faz do relato é, a meu
ver, mais preciso do que se você mesmo fosse o autor. Acontece o mesmo quando
você termina um filme, é a pior situação para você ter uma opinião sobre ele.
Claro que você pode refletir a um nível quase tático: “Estamos dizendo duas
vezes a mesma coisa?”, “Está bem feito?”, “É visualmente interessante?”. Mas
você não tem de jeito nenhum a mesma impressão que uma pessoa que vê o filme
pela primeira vez. Por outro lado, quando trabalhamos sobre a história de outra
pessoa, falta um determinado engajamento emocional.
Eu gostaria tanto de poder ver
meu filme pela primeira vez. Não posso imaginar o que é ver um de meus filmes.
Não faço a menor ideia da maneira como as pessoas reagem diante deles e nunca
posso sentir o que elas sentem.
Parece que você quer realizar um equilíbrio entre o
emocional e o irracional, e pensar que o homem deveria admitir a presença de
forças irracionais em si mesmo, mais do que tentar reprimi-las.
A hipocrisia do homem o cega sobre sua própria
natureza e está na origem da maioria dos problemas sociais. Em minha opinião, a
ideia de que a causa da crise da sociedade está nas estruturas sociais mais do
que no próprio homem é perigosa. O homem deve ter consciência de sua dualidade
e de sua fraqueza para evitar os piores problemas pessoais e sociais.
É uma incompreensão dessa ordem que fez com que Laranja Mecânica fosse mal interpretado.
Com certeza é impossível acreditar – a não ser que
se quisesse fazer de Laranja Mecânica um
filme perverso – que eu era favorável a Alex. Eu apenas tentei apresentá-lo
como ele se sente e como se vê. Evidentemente, em um determinado momento, surge
certa simpatia por ele. Como Alex estava em conflito com pessoas tão más como
ele, mas de outra maneira, era possível pensar, se fizéssemos uma análise
rápida do filme, que havia mais simpatia por ele. Mas como é uma história
satírica – e a natureza da sátira é apresentar o falso como se fosse verdadeiro
-, não vejo como um ser inteligente poderia achar que Alex era um herói.
Jack, o personagem principal de O Iluminado, passa por uma crise que o torna vulnerável.
A natureza de seus próprios problemas psicológicos
o preparou para se submeter às vontades do hotel e ele não precisa muito para
sentir raiva e frustração extremas, dirigidas contra si mesmo, contra sua
mulher e contra seu filho. Ele se decepciona amargamente consigo mesmo, e sente
apenas desprezo por sua mulher e ódio de seu filho.
Estando em uma situação que o
expõe às forças más do hotel – e este é o aspecto sobrenatural da história -,
ele se torna o instrumento perfeito da vontade dela.
Os encontros que eles têm não são, para você, simples
projeções de seu psiquismo?
Minha interpretação da história é que ela é real:
há realmente assombrações; Grady falou realmente com Jack e ele esteve antes
naquele lugar. Para o interesse da história, considero que tudo é verdade.
E quando o filme ficou pronto?
Ao contar essa história, você diz: foi o que
aconteceu. E tenta torná-la o mais real possível. Senão, é preciso desistir de
encontrar uma explicação totalmente racional para acontecimentos sobrenaturais.
Você apela bastante para sua racionalidade, gosta de
ampliar seus conhecimentos, mas em 2001
e em O Iluminado você mostra os
limites do saber intelectual. É uma confirmação de que William James chama de “os
resíduos inexplicáveis de nossa experiência”.
Com esse tipo de história entramos em um campo
onde não apenas a exploração intelectual chega ao fim, mas onde ninguém pode
dizer se o que acontece é verdade – e menos ainda explicá-lo. De um ponto de
vista dramático, podemos simplesmente dizer: “Se fosse verdade, como
aconteceria?”, e não é possível ir mais longe. Gosto dessas passagens do relato
em que a razão é de pouca ajuda. A racionalidade o leva às fronteiras dessas
áreas e, em seguida, só lhe resta explicar o nível poético ou musical. Só temos
consciência do campo onde a razão pode se exercer, temos a impressão de que ele não é muito extenso e, embora essa
experiência poética não tenha muito valor, com certeza somos tentados a
realizá-la. Temos que tomar consciência dos limites da racionalidade pura e
também levar em conta os sentimentos das pessoas diante dos elementos alheios a
essa racionalidade.
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