sexta-feira, outubro 04, 2013

Miyamoto Musashi (Hiroshi Inagaki, 1954, 1955, 1956)


Eu estava disposto a escrever alguma coisa sobre o Elysium (2013), de Neill Blomkamp, mas calhei de ver a trilogia Musashi no mesmo final de semana e desisti - embora a recepção por parte da crítica tenha sido morna, minha impressão é mais positiva do que negativa, mas longe do encantamento proporcionado por Distrito 9. Eu desconhecia completamente a trilogia samurai, nome pela qual ela passou a ser conhecida, oportunamente recuperada pela Versátil Home Video. O cinema japonês anda em alta na distribuidora que não tardou a lançar o Portal do Inferno (1953), de Teinosuke Kinugasa, e cinco títulos do mestre Yasujiro Ozu (para o desgosto do cinéfilo, a Continental reinava absoluta nessa seara até então). Aos poucos, o cinema oriental ganha o destaque que lhe foi confiscado durante muito tempo. À medida que os títulos mais lembrados começam a apresentar sinais de esgotamento (inclusive alguns deles sendo laçados por mais de uma distribuidora), sobra espaço para os lançamentos com menor apelo comercial, nem por isso menos importantes. Quem é digno de uma bela revisão é o cinema chinês, recentemente lembrado pelo Filipe Furtado em uma lista pessoal de 100Filmes de Hong Kong.

A estrutura narrativa da trilogia assemelha-se à de um folhetim, com inúmeros personagens que vem e vão e reviravoltas que se sucedem aos montes, repletas de coincidências. À parte o aspecto cultural que distingue as duas produções, que vai além da dicotomia ocidente/oriente, a saga de Musashi guarda semelhanças com o recente Mistérios de Lisboa (2010), de Raoul Ruiz. A rigor, essa observação remonta às produções literárias de Eiji Yoshikawa e Camilo Castelo Branco cujos filmes em questão são adaptações. Ambas as produções, literárias e cinematográficas, criam fiéis caracterizações dos tipos que representam o japonês e o português, respectivamente. Sendo assim, não espanta que Mistérios de Lisboa seja irônico e debochado, enquanto Musashi opte pela rigidez e o respeito irrestrito às tradições (o papel da mulher é simbólico nesse sentido).

O eixo dramático concentra-se na trajetória do famoso espadachim, interpretado pelo inigualável Toshiro Mifune, e suas relações com o amigo desorientado Honiden Matahachi, a senhora interesseira Osugi e sua filha Akemi, os discípulos Joutaro e Iori e a apaixonada Otsu. O vai e vem de todos esses personagens é entrecortado pelos duelos que elevaram Musashi à condição de mito. O último deles, contra Kojiro Sasaki (Kôji Tsuruta) na ilha de Ganryûjima, é digno de antologia. A fotografia de Kazuo Yamada exerce um papel superlativo na produção, contribuindo definitivamente para fixar o memorável duelo na retina do espectador.

Um comentário do usuário foxfirebrand no IMDB, em junho de 2009, reforça a importância do filme como “peça de propaganda” para disseminar a cultura japonesa em pleno pós-guerra, quando o Japão se esforçava para reerguer-se depois da hecatombe proporcionada pelas duas bombas nucleares. “The importance of the Miyamo Musashi saga has been lost somewhat today, even in Japan. These were not just early high-quality color samurai movies, not just great films – they were a nationwide event, and a milestone in Japanese social evolution. The early 50s were a time of postwar healing, and there were unsettled questions about the national character. The Miyamoto Musashi saga used the past to dramatize issues of morality – and, even more important at the time, morale. Japan had no problem westernizing and living under the rules of law under terms imposed by victors in war – the knotty issue was, how much of the past do we keep alive in our daily thoughts and actions, and just how much of the real Japan, the one we remember, will our children and grandchildren inherit, once the aftermath of global war has subsided? Watch these films with such then-important issues in mind, and your experience will be deepened and enriched”.

Coincidentemente, um dos livros do Vicente Falconi que mantenho em casa, Gerenciamento pelas Diretrizes, começa com uma nota do próprio autor comparando as artes gerenciais às artes marciais. Ele abre o primeiro capítulo com nove mandamentos de Miyamoto Musashi, fundamentais para o exercício das artes (e, consequentemente, do bom gerenciamento):

1.      Não pense com desonestidade.
2.      O Caminho está no treinamento.
3.      Trave contato com todas as artes.
4.      Conheça o Caminho de todas as profissões.
5.      Aprenda a distinguir ganho de perda nos assuntos materiais.
6.      Desenvolva o julgamento intuitivo e a compreensão de tudo.
7.      Perceba as coisas que não podem ser vistas.
8.      Preste atenção até no que não tem importância.
9.      Não faça nada que de nada sirva.

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