Eu estava disposto a escrever
alguma coisa sobre o Elysium (2013),
de Neill Blomkamp, mas calhei de ver a trilogia Musashi no mesmo final de semana e desisti - embora a recepção por
parte da crítica tenha sido morna, minha impressão é mais positiva do que
negativa, mas longe do encantamento proporcionado por Distrito 9. Eu desconhecia completamente a trilogia samurai, nome pela qual ela passou a ser conhecida, oportunamente
recuperada pela Versátil Home Video. O cinema japonês anda em alta na
distribuidora que não tardou a lançar o Portal
do Inferno (1953), de Teinosuke Kinugasa, e cinco títulos do mestre
Yasujiro Ozu (para o desgosto do cinéfilo, a Continental reinava absoluta nessa
seara até então). Aos poucos, o cinema oriental ganha o destaque que lhe foi
confiscado durante muito tempo. À medida que os títulos mais lembrados começam
a apresentar sinais de esgotamento (inclusive alguns deles sendo laçados por
mais de uma distribuidora), sobra espaço para os lançamentos com menor apelo comercial,
nem por isso menos importantes. Quem é digno de uma bela revisão é o cinema
chinês, recentemente lembrado pelo Filipe Furtado em uma lista pessoal de 100Filmes de Hong Kong.
A estrutura narrativa da trilogia assemelha-se à de um folhetim, com
inúmeros personagens que vem e vão e reviravoltas que se sucedem aos montes,
repletas de coincidências. À parte o aspecto cultural que distingue as duas
produções, que vai além da dicotomia ocidente/oriente, a saga de Musashi guarda semelhanças com o recente
Mistérios de Lisboa (2010), de Raoul
Ruiz. A rigor, essa observação remonta às produções literárias de Eiji
Yoshikawa e Camilo Castelo Branco cujos filmes em questão são adaptações. Ambas
as produções, literárias e cinematográficas, criam fiéis caracterizações dos
tipos que representam o japonês e o português, respectivamente. Sendo assim, não
espanta que Mistérios de Lisboa seja irônico
e debochado, enquanto Musashi opte pela
rigidez e o respeito irrestrito às tradições (o papel da mulher é simbólico
nesse sentido).
O eixo dramático concentra-se na
trajetória do famoso espadachim, interpretado pelo inigualável Toshiro Mifune, e
suas relações com o amigo desorientado Honiden Matahachi, a senhora
interesseira Osugi e sua filha Akemi, os discípulos Joutaro e Iori e a
apaixonada Otsu. O vai e vem de todos esses personagens é entrecortado pelos
duelos que elevaram Musashi à condição de mito. O último deles, contra Kojiro Sasaki
(Kôji Tsuruta) na ilha de Ganryûjima, é digno de antologia. A fotografia de Kazuo
Yamada exerce um papel superlativo na produção, contribuindo definitivamente para
fixar o memorável duelo na retina do espectador.
Um comentário do usuário foxfirebrand no IMDB, em junho de 2009, reforça
a importância do filme como “peça de propaganda” para disseminar a cultura
japonesa em pleno pós-guerra, quando o Japão se esforçava para reerguer-se
depois da hecatombe proporcionada pelas duas bombas nucleares. “The importance of the Miyamo Musashi
saga has been lost somewhat today, even in Japan. These were not just early
high-quality color samurai movies, not just great films – they were a
nationwide event, and a milestone in Japanese social evolution. The early 50s
were a time of postwar healing, and there were unsettled questions about the
national character. The Miyamoto Musashi saga used the past to dramatize issues
of morality – and, even more important at the time, morale. Japan had no
problem westernizing and living under the rules of law under terms imposed by
victors in war – the knotty issue was, how much of the past do we keep alive in
our daily thoughts and actions, and just how much of the real Japan, the one we
remember, will our children and grandchildren inherit, once the aftermath of
global war has subsided? Watch these films with such then-important issues in
mind, and your experience will be deepened and enriched”.
Coincidentemente, um dos livros
do Vicente Falconi que mantenho em casa, Gerenciamento
pelas Diretrizes, começa com uma nota do próprio autor comparando as artes
gerenciais às artes marciais. Ele abre o primeiro capítulo com nove mandamentos de Miyamoto Musashi,
fundamentais para o exercício das artes (e, consequentemente, do bom
gerenciamento):
1. Não
pense com desonestidade.
2. O
Caminho está no treinamento.
3. Trave
contato com todas as artes.
4. Conheça
o Caminho de todas as profissões.
5. Aprenda
a distinguir ganho de perda nos assuntos materiais.
6. Desenvolva
o julgamento intuitivo e a compreensão de tudo.
7. Perceba
as coisas que não podem ser vistas.
8. Preste
atenção até no que não tem importância.
9. Não
faça nada que de nada sirva.
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