segunda-feira, dezembro 15, 2014

Avanti Popolo (Michael Wahrmann, 2012)


Os dois parágrafos abaixo foram extraídos do texto de Victor Guimarães para a Revista Cinética a respeito de Avanti Popolo. A crítica original, que pode ser acessada aqui, tem mais três parágrafos que antecedem esse trecho. Recomendo a versão integral sem sombra de dúvidas, em que o raciocínio não é interrompido e a profundidade da abordagem segue um crescendo. Seja como for, as palavras de Victor contribuem muito para valorizar o filme, cujas exibições não foram capazes de atrair muito público. Uma pena!

------------------------

Por Victor Guimarães

Avanti Popolo (e a ironia do título é um dos principais sinais disto) é um filme cuja figura central é o luto, em suas múltiplas possibilidades. Luto vivido pelos dois protagonistas, que respondem – cada um à sua maneira – ao passado do desaparecimento. E um luto mais profundo, em relação às utopias políticas que atravessaram a história do país. A sutileza com que o comentário político do filme se produz é uma das características mais notáveis: na ironia aos hinos nacionais que marca o encontro de André com o taxista, na canção-título interrompida já perto do final ou no desvario da comédia “Recuerdos da República”, mostrada ao protagonista pelo cineasta Marcos Bertoni, o filme afirma uma contundente irreverência (no sentido forte) em relação ao romantismo do passado, no mesmo movimento em que expõe um profundo desencanto em relação ao esvaziamento de um presente pós-utópico. Quando André coloca para tocar o disco de cantos do Exército Vermelho enviado pelo irmão, o volume da música (que mais parece um rap) sobe progressivamente – de forma antinaturalista – e retumba sobre o espaço da sala, como se os fantasmas voltassem a ameaçar o presente do protagonista, e como se o filme apertasse um parafuso nos ouvidos do espectador.

Mas há ainda um denso luto pelo fim do cinema (ou por uma forma de fazer e viver o cinema). Não uma nostalgia inócua e paralisante, mas um verdadeiro luto, trabalhado de forma intensa durante todo o filme: nomear Baleia a cadelinha das obsessões do pai, fazer com que o espectador tenha de esperar até que um rolo de película seja rebobinado, filmar as ruínas de um cinema desativado como última imagem antes da palavra Fim não são apenas comentários fortuitos, mas uma maneira de trabalhar o luto até extrair dele suas potências de arte. A cegueira do pai (não por acaso, interpretado por Carlos Reichenbach) diante das imagens projetadas do filho é o momento em que todas as camadas se encontram, e a beleza pode existir por si mesma.

-------------------------

A minha contribuição, menos reputada, se faz em dois breves itens:

- a cena do Eduardo Valente como taxista vidrado em hinos nacionais me trouxe a lembrança instantânea do Bang Bang (1970), de Andrea Tonacci. Não exatamente pelo rigor/simetria da composição dos quadros, que é uma das memórias que permanece com qualquer espectador que já tenha vivenciado a experiência, mas pela angulação da câmera e a quase-conversa travada dentro de um automóvel em movimento - o humor é quase involuntário.

- a cena muito breve que se passa em um ponto de ônibus, logo após o retorno do personagem de Carlos Reichenbach da delegacia. É a cena mais impactante do longa-metragem no meu ponto de vista, inversamente proporcional à sua duração. Algumas pessoas aguardam no ponto a chegada da sua condução, todas de descendência negra, salvo Carlão, claramente fora do contexto daquela situação. Ao que uma passageira se aproxima e se senta ao seu lado, dirige-lhe a palavra reclamando da espera na fila da delegacia para aguardar instruções sobre o seu filho que se encontra sumido. Carlão emenda sem hesitar que ainda aguarda notícias do seu filho desaparecido desde 1974. Esse hiato temporal é a base da construção do seu personagem, que vive praticamente prostrado, profundamente afetado pelo desaparecimento do seu primogênito, em decorrência da repressão ditatorial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário