A semana comprimida entre o Natal e Réveillon é o período
propício, entre uns goles e outros, pra colocar em dia tudo o que ficou pra
trás ao longo do ano. Todo o filme que escapou ao meu radar ou foi desprezado
pelas distribuidoras do interior encontra a ocasião apropriada para ser
apreciado. A essa altura do campeonato as listas de melhores do ano já foram
publicadas, o que me permite filtrar melhor as escolhas a fim de evitar um
desperdício de tempo - já bastante comprometido. Naturalmente, apesar desse sprint na reta final, é perfeitamente
provável que muita coisa boa ainda fique para trás.
O Homem Mais Procurado (Anton Corbijn, 2014) - o filme chegou ao circuito quase
despercebido (por pouco eu o assisti em São Paulo enquanto me encontrava na cidade
para a Mostra). Não fosse pela presença do recém-falecido Philip Seymour
Hoffman, talvez a produção nem ganhasse as telas dos cinemas brasileiros. Um
grande filme de espionagem, sem o tom paródico nem o humor característico de um
episódio de 007. Tampouco contém o glamour a qual o ofício de agente secreto
sempre esteve associado (ao menos no cinema). Definitivamente, a melhor
adaptação de um thriller de John le Carré.
A Imagem Que Falta (Rithy Panh, 2013) - a história sobre a Guerra do Vietnã
que os livros não contam. O banho de sangue continua depois que os americanos
retiram oficialmente suas tropas do território vietnamita (ainda que a o povo
retratado seja cambojano). Rithy Pahn encontra nos bonequinhos de argila uma
saída criativa para representar o sufoco a qual seu pares foram submetidos,
muito embora a força de seu filme dependa mais do relato verbal da
sua experiência como sobrevivente do genocídio. Vale uma sessão double bill com O Ato de Matar (2013), de Joshua Oppenheimer. São dois testemunhos
definitivos, e curiosamente complementares, de como a ideologia dominante do
século XX (capitalismo x comunismo) foi empregada para legitimar atrocidades
contra inocentes.
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Um presente de Natal fez a minha cabeça nos últimos dias, e
já está bem encaminhado para fazer a cabeça dos meus familiares. Um livro
relativamente curto, mas muito inspirado, que dá pra ler num tapa: A contadora
de filmes. Escrito pelo chileno Hernán Rivera Letelier, "que dá nome aos
homens que vivem nesse mundo de areia e sal que é o deserto do Atacama",
conforme passagem do texto de orelha de Walter Salles, o livro é uma declaração
de amor ao cinema, à imaginação e à arte de narrar. A vida de quem lê é tocada
pela magia das linhas ternas de Letelier, que evita o tempo todo o tom
misericordioso da prosa. Sua tinta não maquia a realidade dos seus personagens,
mas encontra o narrador adequado (a pequenina Maria Margarita) para suavizar a
jornada dos relatados.
O pequeno trecho impresso nas costas da publicação dá uma boa
ideia da excelência do conteúdo da narrativa:
“Certa vez li por aí, ou vi num filme, que quando os judeus eram levados pelos alemães naqueles vagões fechados, de transportar gado – com apenas uma ranhura na parte alta que entrasse um pouco de ar -, enquanto iam atravessando campos com cheiro de capim úmido, escolhiam o melhor narrador entre eles e, subindo-o em seus ombros, o elevavam até a ranhura para que fosse descrevendo a paisagem e contando o que via conforme o trem avançava.
Eu agora estou convencida de que entre eles deve ter havido muitos que preferiam imaginar as maravilhas contadas pelo companheiro a ter o privilégio de olhar pela ranhura.”
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