Desde que nos conhecemos, no início do projeto do programa Papo de Buteco, o Gilles sempre me recomendou que assistisse ao filme Donnie Darko (2001), de Richard Kelly. Isso se tornou mais intenso na época em que o ator Patrick Swayze faleceu e fizemos um “duelo” (no segundo ou terceiro programa) em que elegeríamos o filme mais significativo da carreira dele. Donnie Darko não fez parte da seleção porque eu ainda não havia assistido... Ai vai um breve relato das minhas impressões.
Mais do que direcionar meu olhar para uma possível explicação metafísica dos eventos que se sucedem ao longo da projeção, me chamou mais atenção as escolhas do escritor e diretor Richard Kelly para a ambientação do seu longa-metragem. O filme se passa dias antes da eleição de Bush pai para a presidência dos Estados Unidos, 1988, e foi lançado no mesmo ano em que os aviões se chocaram contra as torres gêmeas de Nova Iorque, 2001, dando início à política de “combate ao terror” de Bush filho. Traduzindo, o conservadorismo e o moralismo dão à tônica.
O personagem Donnie Darko, interpretado por Jake Gyllenhall, bem como Chance, personagem de Peter Sellers no renomado Muito Além do Jardim (1979), de Hal Ashby, são tratados como excêntricos pelos seus pares, embora representem para o espectador uma aura de lucidez – esta, interpretada como um endosso dos ideais liberais. Note-se: 1. como a palavra fear (medo em inglês) serve de base para a construção de uma cena inteira; 2. como a bandeira norte americana é empunhada pela professora liberal (Drew Barrymore) ao ser despedida da escola e sair pela porta da frente (na cena anterior ela discorre sobre a beleza da palavra Cellardoor – porta do porão, em inglês); 3. a descoberta de um revólver guardado dentro da própria casa de Donnie Darko, reduto da burguesia; 4. o confronto entre Donnie Darko e o palestrante de auto ajuda (Patrick Swayze) e 5. como a adoção de um livro para leitura pode gerar uma polêmica discussão entre pais e educadores.
Todas essas escolhas me parecem bem mais interessantes do que o desvendamento do significado do coelho, embora o mistério que paira após o término da fita seja intrigante. O filme teve uma imensa aceitação por parte do público e já se tornou um cult, tanto é verdade que hoje se encontra na posição n⁰124 do ranking do site www.imdb.com (talvez a melhor representação do gosto popular norte americano) a frente de obras-primas como Interlúdio (Alfred Hitchcock, 1946), n⁰127 e Yojimbo (Akira Kurosawa, 1961), n⁰143. Não é pra tanto...
OBS: Publicado em fevereiro de 2010 no site http://www.programapapodebuteco.com.br/
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