domingo, agosto 01, 2010

Clint Eastwood X Raoul Walsh


Freqüentemente acabo descobrindo o valor de um filme assistindo a outro. Muitas vezes, passo a enxergar melhor a proposta, visão e/ou intenção de um diretor consultando suas influências. Na verdade, esse exercício de comparação e de descoberta configura um dos maiores prazeres dos amantes da sétima arte.

Em um período de um ano assisti a alguns filmes de Raoul Walsh: Heróis Esquecidos (1939), Fúria Sanguinária (1949), O Mundo em seus Braços (1952), Esse Homem é Meu (1956) e O Ídolo do Público (1942). Estou inclusive aguardando ansiosamente o lançamento em DVD de Sua Única Saída (1947), para conferir um dos seus trabalhos mais cultuados. Como escreveu Peter Bogdanovich em seu livro de entrevistas Afinal, quem faz os filmes, “Se jamais existiram aventureiros no cinema, Walsh, com certeza, encabeça a lista.” Seus filmes estão impregnados de um senso de aventura e de humor raramente vistos hoje em dia.

Ao término de O Ídolo do Público, com Errol Flynn interpretando um pugilista em estado de graça, não consegui desassociar a experiência do filme de Walsh com o mais recente Clint Eastwood, Invictus (2009). Na verdade eu já havia gostado do último Eastwood, mas me parece que faltava o tempero adequado pra tornar um prato saboroso uma experiência inesquecível. Ambos são capazes de fazer comentários sociais pertinentes sem perder de vista o gosto pelo entretenimento.

Talvez o filme de Walsh equilibre melhor a abordagem do esporte e da ascensão social; os dois estão tão interligados na narrativa e permeados de momentos cômicos que a gravidade dessa combinação não se faz notar facilmente. O diálogo final entre os dois rivais, sublime, estabelece o ponto de vista de seu realizador. O espírito do discurso de Mandela está presente na cena. Em Invictus, dividido claramente em duas partes, o começo imprime um tom mais grave, assistimos ao líder negro Mandela assumir o comando de um país esfacelado pela luta racial. Sua retórica poderosa instiga o público a pensar e o comentário social prevalece. Na segunda parte o esporte assume a ponta.

Essa distinção entre as partes atrapalha um pouco a evolução do filme; ele enfraquece à medida que se aproxima do final. Não compromete, mas o que carregamos conosco é a enigmática presença de Morgan Freeman, sua presença, voz e entonação, capaz de conferir profundidade e dignidade ao discurso mais inócuo; que não é o caso aqui, os diálogos fazem jus ao mito Mandela.

Acho que passei a aceitar melhor as imperfeições de Invictus após assistir O Ídolo do Público. Mesmo que não seja uma referência assumida, as semelhanças me fazem crer que Eastwood bebeu nessa fonte. Não é muito difícil, já que seu estilo é fortemente influenciado pelo cinema clássico.

O crítico da Folha de S.Paulo, Inácio Araújo, em sua crítica do filme para o jornal, termina dizendo que Clint Eastwood alterna suas influências em sua cinematografia ora optando por John Ford, ora por Howard Hawks. Faltou mencionar outro gigante: Raoul Walsh.

OBS: Publicado em março de 2010 no site http://www.programapapodebuteco.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário