Todas as fotos são de Despair (1978), de R.W. Fassbinder |
Despair (1978), de Rainer Werner Fassbinder (ALEMANHA) - mais um Fassbinder pra conta e o
balanço permanece o mesmo: excepcional. A cópia digital do filme, apresentada
no Unibanco Arteplex do Frei Caneca, me fez repensar um pouco a discussão película X digital que dominou os bastidores
da Mostra. Dava gosto de ver - parece-me que a restauração foi supervisionada
pelo diretor de fotografia do filme, Michael Ballhaus. O trabalho de câmera em
um filme de Fassbinder é fundamental e Ballhaus foi um de seus melhores
colaboradores – senão o melhor. O emprego da luz, sem a qual a fotografia não
existe, é tão importante que compõe o título original do filme em alemão: Despair – Eine Reise Ins Litch/The Trip into
the Light. Lembrei-me muito de Visconti e Losey, certamente pela presença
de Dirk Bogarde. Embora se trate de uma adaptação de um livro de Nabokov,
realizada pelo famoso dramaturgo inglês Tom Stoppard, se encaixa como uma luva
no universo de Fassbinder.
Um Mundo Misterioso (2011), de Rodrigo Moreno (ARGENTINA) - o diretor estava presente na
sessão e antes de começá-la orientou o público a acionar o modo “easy” para
desfrutar melhor da experiência. Na verdade, Rodrigo Moreno reconhece que seu
filme não foi formatado para o circuito comercial e tentou prevenir o público
do seu ritmo mais contemplativo - a julgar pela reação dos espectadores após a
sessão, não diria que ele estava de todo errado. Uma pena. O filme é bom e por
meio do seu personagem principal, Boris (Esteban Bigliardi), vagamos pela
Buenos Aires contemporânea em estado de suspensão, sem um objetivo definido,
apenas “estando” – Moreno cria situações interessantes (algumas melhores que
outras), da qual o humor surge quase que despropositadamente. Como bem notou
Rogério de Moraes, na Cinequanon, “Moreno,
ao limar de seu filme elementos básicos da sustentação narratológica clássica,
nos obriga a aceitar que o “nada”, algumas vezes, pode “ser” mais coisas que o
“algo”. Note-se: “ser”, não necessariamente dizer.”
Se nós não, quem? (2011), de Andres Veiel (ALEMANHA) - o filme aborda os anos de
formação de alguns dos integrantes do Grupo Baader Meinhof, num formato
semelhante ao de uma prequel. Pena
que a produção adote uma abordagem muito americanizada do tema, resultando em
um produto diluído, sem personalidade. O melhor antídoto para esse caso é um
autêntico Fassbinder: A Terceira Geração
(1979).
Low Life (2011), de Nicholas Klotz e Elisabeth Perceval (FRANÇA) - minhas expectativas eram muito
altas em relação ao novo filme de Klotz depois do excelente A Questão Humana (2007). Não posso dizer
que foram superadas (e eu já imaginava que não seria fácil). Tive dificuldades
para “entrar” no filme, que conta com uma trilha sonora tecno bem aborrecedora –
ao menos condizente com o clima frio da película e o azul dominante da
fotografia. Só não dá pra dizer que o filme é irrelevante: a França de Sarkozy
está bem representada na tela. Jovens franceses e imigrantes se misturam e se
envolvem pelas mesmas causas.
Sábado Inocente (2011), de Aleksandr Mindadze (RÚSSIA) - uma abordagem original da
tragédia atômica de Chernobyl. O cinema russo em seu habitat natural: o tom sombrio, a moralidade, o legado comunista. Um
membro do Estado, ciente do vazamento e de seus efeitos, diante de um dilema: como
abandonar a cidade - e se livrar da radiação - sem poder comunicar os seus amigos
de sua partida e do perigo que os cerca (ainda que invisível)? No final das
contas, aqueles que ele se dispõe a salvar acabam por prejudicá-lo. Luiz Zanin
Oricchio indicou o caminho do raciocínio em seu blog: “O interessante é como Sábado
Inocente se coloca na contracorrente dos disaster movies banais. Se nestes
o que se tem é sempre uma união de vários especialistas tentando (e
conseguindo) debelar a ameaça, como no caso do previsível Contágio, de Steven Soderbergh, aqui os próprios ameaçados são seus
piores inimigos.”
Ainda rolou a exibição de alguns
filmes no interior de São Paulo, graças ao envolvimento do SESC na empreitada.
Acabei vendo ainda:
Como começar seu próprio país (2010), de Jody Shapiro (CANADÁ) *
Look, Stranger (2010), de Arielle Javitch (SÉRVIA) **
As Flores de Kirkuk (2010), de Fariborz Kamkari (IRAQUE/ITÁLIA) *
Depois do Sul (2011), de Jean-Jacques Jauffret (FRANÇA) **
Irmãs Jamais (2011), de Marco Bellocchio (ITÁLIA) ****
Adoraria ver DESPAIR.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Pena que não seja um filme tão disponível, e verdade seja dita, muito pouco comentado. Infelizmente.
ResponderExcluirHeróis sem quadrinhos
ResponderExcluirEm suas páginas agimos como meninos
Abrindo a grande cortina de recordações
Para viver cenas em preto e branco.
Das tiras de jornais
Mocinhos e bandidos
Tornaram-se heróis e vilões.
Como éramos felizes
E não sabíamos!
Como é triste hoje enxergamos
O vazio do amanhã!
Aí vem o Roy Rogers galopando,
Buck Jones e Tom Mix ali acenam
Final feliz ou incógnito?
A resposta ficou nas lágrimas
De uma donzela.
Nossos heróis se foram
Deixando-nos apenas saudade.
Levaram consigo a certeza
De que homens nos tornaríamos.
Crescemos num mundo concreto
Real, carnívoro, traiçoeiro,
Mísero de valores culturais
Abastado de líderes sem valores.
Os heróis de ontem não têm mais quadrinhos,
Nem espaço nas recordações,
Mas enquanto existir a criança de ontem
Continuarão aventurando-se em nossos corações.
*Agamenon Troyan, poeta mineiro é autor do livro (O ANJO E A TEMPESTADE)