sábado, novembro 26, 2011

35ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo – Parte 2




Todas as fotos são de Despair (1978), de R.W. Fassbinder


Despair (1978), de Rainer Werner Fassbinder (ALEMANHA) - mais um Fassbinder pra conta e o balanço permanece o mesmo: excepcional. A cópia digital do filme, apresentada no Unibanco Arteplex do Frei Caneca, me fez repensar um pouco a discussão película X digital que dominou os bastidores da Mostra. Dava gosto de ver - parece-me que a restauração foi supervisionada pelo diretor de fotografia do filme, Michael Ballhaus. O trabalho de câmera em um filme de Fassbinder é fundamental e Ballhaus foi um de seus melhores colaboradores – senão o melhor. O emprego da luz, sem a qual a fotografia não existe, é tão importante que compõe o título original do filme em alemão: Despair – Eine Reise Ins Litch/The Trip into the Light. Lembrei-me muito de Visconti e Losey, certamente pela presença de Dirk Bogarde. Embora se trate de uma adaptação de um livro de Nabokov, realizada pelo famoso dramaturgo inglês Tom Stoppard, se encaixa como uma luva no universo de Fassbinder.

Um Mundo Misterioso (2011), de Rodrigo Moreno (ARGENTINA) - o diretor estava presente na sessão e antes de começá-la orientou o público a acionar o modo “easy” para desfrutar melhor da experiência. Na verdade, Rodrigo Moreno reconhece que seu filme não foi formatado para o circuito comercial e tentou prevenir o público do seu ritmo mais contemplativo - a julgar pela reação dos espectadores após a sessão, não diria que ele estava de todo errado. Uma pena. O filme é bom e por meio do seu personagem principal, Boris (Esteban Bigliardi), vagamos pela Buenos Aires contemporânea em estado de suspensão, sem um objetivo definido, apenas “estando” – Moreno cria situações interessantes (algumas melhores que outras), da qual o humor surge quase que despropositadamente. Como bem notou Rogério de Moraes, na Cinequanon, “Moreno, ao limar de seu filme elementos básicos da sustentação narratológica clássica, nos obriga a aceitar que o “nada”, algumas vezes, pode “ser” mais coisas que o “algo”. Note-se: “ser”, não necessariamente dizer.”

Se nós não, quem? (2011), de Andres Veiel (ALEMANHA) - o filme aborda os anos de formação de alguns dos integrantes do Grupo Baader Meinhof, num formato semelhante ao de uma prequel. Pena que a produção adote uma abordagem muito americanizada do tema, resultando em um produto diluído, sem personalidade. O melhor antídoto para esse caso é um autêntico Fassbinder: A Terceira Geração (1979).

Low Life (2011), de Nicholas Klotz e Elisabeth Perceval (FRANÇA) - minhas expectativas eram muito altas em relação ao novo filme de Klotz depois do excelente A Questão Humana (2007). Não posso dizer que foram superadas (e eu já imaginava que não seria fácil). Tive dificuldades para “entrar” no filme, que conta com uma trilha sonora tecno bem aborrecedora – ao menos condizente com o clima frio da película e o azul dominante da fotografia. Só não dá pra dizer que o filme é irrelevante: a França de Sarkozy está bem representada na tela. Jovens franceses e imigrantes se misturam e se envolvem pelas mesmas causas.

Sábado Inocente (2011), de Aleksandr Mindadze (RÚSSIA) - uma abordagem original da tragédia atômica de Chernobyl. O cinema russo em seu habitat natural: o tom sombrio, a moralidade, o legado comunista. Um membro do Estado, ciente do vazamento e de seus efeitos, diante de um dilema: como abandonar a cidade - e se livrar da radiação - sem poder comunicar os seus amigos de sua partida e do perigo que os cerca (ainda que invisível)? No final das contas, aqueles que ele se dispõe a salvar acabam por prejudicá-lo. Luiz Zanin Oricchio indicou o caminho do raciocínio em seu blog: “O interessante é como Sábado Inocente se coloca na contracorrente dos disaster movies banais. Se nestes o que se tem é sempre uma união de vários especialistas tentando (e conseguindo) debelar a ameaça, como no caso do previsível Contágio, de Steven Soderbergh, aqui os próprios ameaçados são seus piores inimigos.”

Ainda rolou a exibição de alguns filmes no interior de São Paulo, graças ao envolvimento do SESC na empreitada. Acabei vendo ainda:

Como começar seu próprio país (2010), de Jody Shapiro (CANADÁ) *
Look, Stranger (2010), de Arielle Javitch (SÉRVIA) **
As Flores de Kirkuk (2010), de Fariborz Kamkari (IRAQUE/ITÁLIA) *
Depois do Sul (2011), de Jean-Jacques Jauffret (FRANÇA) **
Irmãs Jamais (2011), de Marco Bellocchio (ITÁLIA) ****

3 comentários:

  1. Pena que não seja um filme tão disponível, e verdade seja dita, muito pouco comentado. Infelizmente.

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  2. Heróis sem quadrinhos

    Em suas páginas agimos como meninos
    Abrindo a grande cortina de recordações
    Para viver cenas em preto e branco.

    Das tiras de jornais
    Mocinhos e bandidos
    Tornaram-se heróis e vilões.
    Como éramos felizes
    E não sabíamos!
    Como é triste hoje enxergamos
    O vazio do amanhã!

    Aí vem o Roy Rogers galopando,
    Buck Jones e Tom Mix ali acenam
    Final feliz ou incógnito?
    A resposta ficou nas lágrimas
    De uma donzela.

    Nossos heróis se foram
    Deixando-nos apenas saudade.
    Levaram consigo a certeza
    De que homens nos tornaríamos.

    Crescemos num mundo concreto
    Real, carnívoro, traiçoeiro,
    Mísero de valores culturais
    Abastado de líderes sem valores.

    Os heróis de ontem não têm mais quadrinhos,
    Nem espaço nas recordações,
    Mas enquanto existir a criança de ontem
    Continuarão aventurando-se em nossos corações.

    *Agamenon Troyan, poeta mineiro é autor do livro (O ANJO E A TEMPESTADE)

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