Reproduzo abaixo o texto que
abriu a exposição Paradjanov, o magnífico no MIS de São Paulo durante a 35a Mostra de Cinema. As fotos acima foram (mal) tiradas por mim.
A liberdade criativa de um artista
Sergei Paradjanov nasce em 9 de janeiro de 1924, filho de armênios, em Tiflis,
hoje Tbilisi, na Georgia. Estudou direção para cinema na TGIK (Instituto
Cinematográfico do governo, em Moscou). Seus primeiros filmes rodados nos
estúdios de Aleksander Dovzhenko têm a marca da estética do realismo
socialista, sendo rejeitados posteriormente pelo diretor como “lixo”.
Sua obra-prima, A Cor da Romã (Sayat Nova, 1968), retrata a vida do
poeta armênio Sayat Nova. A sequência de abertura do filme ressoa a própria
vida do cineasta: “Eu sou o homem cuja vida e alma são tortura”.
Acusado de homossexual e com uma abordagem pouco ortodoxa do cinema,
Paradjanov não é bem visto pelos oficiais soviéticos. Durante 15 anos – de 1968
a 1983 – não roda um único filme e é preso duas vezes. Os anos passados nos
campos de trabalho soviético são os mais negros de sua vida.
Ainda assim, seu espírito criativo não é sufocado; pelo contrário,
encontra as mais vibrantes formas de expressão por meio de colagens, desenhos e
bonecas. Um dia, ele pronuncia uma frase lapidar: “Não me deixaram filmar,
então comecei a fazer colagens. A colagem é um filme comprimido.” Nas obras
plásticas, ele encontra uma liberdade que lhe é recusada no cinema, fortemente
submetido ao controle oficial.
Suas colagens e objetos possuem ainda outro valor: eles conservam o
tempo em que foram criados, são o eco de inúmeros eventos históricos de meados
do século 20. E descrevem a história de um país que não existe mais: a União
Soviética.
Da prisão, entre outras obras, o artista envia a colagem A Mona Lisa
que chora, acrescentando uma pequena nota: “Se eu perecer no calabouço, a Mona
Lisa chorará por mim”. No último ano de sua vida, ele ainda evocaria a obra de
Leonardo da Vinci na série de colagens Alguns episódios na vida de Mona Lisa.
Após inúmeras intervenções de intelectuais, Paradjanov é finalmente
liberado pelas autoridades soviéticas. Permanece, contudo, na lista negra dos
oficiais, e apenas retoma sua carreira no cinema em meados dos anos 1980.
Como seu amigo Andrei Tarkovski, ele morre de câncer nos pulmões, em 21
de julho de 1990. Em 1991, o Museu Sergei Paradjanov é aberto em Yerevan.
Ironicamente, sua casa na amada Tbilisi foi destruída. “Um profeta nunca é
desonrado, exceto em sua terra e sua própria casa...”.
Segue abaixo um breve comentário
dos três filmes de Paradjanov que eu vi na Mostra deste ano.
O Primeiro Rapaz (1959), de Sergei Paradjanov (RÚSSIA) - um produto típico da Guerra Fria.
A bipolaridade EUA x URSS não se limitava apenas ao âmbito militar, político,
tecnológico, econômico e social, havia a exploração ideológica (cultural),
muito bem empregada pelos norte-americanos, que facilitou a difusão do american way of life no mundo inteiro –
o cinema e a música sempre foram os seus principais alicerces. Embora os russos
também dispusessem dessa “arma” pra divulgar o comunismo, alguém seria capaz de
imaginar o que daria um musical soviético? Leve, inocente, solar e divertido, O Primeiro Rapaz é o oposto de tudo aquilo
que fez a fama do cinema russo – o engajamento social, o Estado onipresente e
os temas sombrios. Ele segue a risca o modelo do musical norte-americano, com
destaque para a música e as locações (o toque autêntico da produção).
A Cor da Romã (1968), de Sergei Paradjanov (RÚSSIA/ARMÊNIA) - confesso que fico um tanto
aliviado ao constatar nas resenhas, críticas e análises a respeito do filme a
mesma dificuldade que eu encontrei para tentar decifrar o significado das
imagens sugeridas por Paradjanov para representar a vida do poeta Sayat Nova.
Não é uma tarefa fácil. Como bem apontou Luiz Carlos Oliveira Jr. “O filme não revela o olhar de alguém que
sai do nosso tempo e aporta à Idade Média com uma câmera de cinema. Ele sugere,
antes, como seria se alguém da Idade Média tivesse uma câmera de cinema”. Ela
carrega consigo um aspecto primitivo/rudimentar impactante - nem por isso menos
relevante. O efeito é impressionante, somos literalmente transportados para
outra época. A experiência sem igual estabelece uma questão: pra repeti-la, só
assistindo a outro filme de Paradjanov.
A Lenda da Fortaleza Suram (1986), de Sergei Paradjanov (RÚSSIA) - o fato de eu ter assistido A Cor da Romã antes me permitiu que eu
chegasse à sessão “preparado”. Eu estava menos interessado em “entender” os
simbolismos, alegorias, lendas e abstrações e mais concentrado no poder
enigmático que as imagens de Paradjanov exercem sobre nós. Era como se eu
estivesse vendo A Cor da Romã pela segunda
vez. É o filme que Paradjanov dirigiu imediatamente após A Cor da Romã, depois de uma longa passagem pela prisão – foram mais
de 15 anos de reclusão. As cores e locações, como de hábito, são excepcionais.
Conheci o trabalho desse diretor há pouco tempo. Impressionante. Poesia das melhores.
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Pena que é difícil encontrar seus filmes, mas uma coisa é certa: o impacto deles na tela pequena não é o mesmo.
ResponderExcluirAbraço.