A julgar pela recepção do novo
filme de Almodóvar no último festival de Cannes era de se esperar uma película
mediana, não muito inspirada, e, dependendo do cronista, uma bola fora do
diretor espanhol. Segundo esses relatos, Almodóvar não conseguiu encontrar o tom certo
pra fazer “o filme funcionar” da forma como gostaria. Já a cobertura da imprensa nacional,
quando de sua estreia há quase um mês atrás, foi bem diferente: empolgante e
vibrante como as cores que fizeram a fama de seus filmes.
Normalmente, eu tendo a encontrar
um ponto no meio desses dois extremos pra acomodar a minha percepção. Ao menos,
foi com esse espírito que eu me dispus a encará-lo. Ao término da sessão eu
estava meio neutralizado, absorto pelo intricado enredo que empilha referências
cinematográficas das mais diversas possíveis sem, no entanto, abrir mão da
assinatura singular de Almodóvar. Embora as cores sejam as mesmas de sempre,
nesse filme ele carrega mais na atmosfera, nos tons mais escuros e flerta com o
cinema B norte americano de terror e ficção científica. Como bem apontou o
crítico José Geraldo Couto, o cientista interpretado por Antônio Banderas - depois
de quase 20 anos ausente das produções espanholas e da colaboração com o seu
mentor - é uma bela mistura do Dr. Frankenstein, o Rotwang de Metrópolis (1927, de Fritz Lang), o
Morel de Bioy Casares, o Dr. Moreau e o Dr. Phibes que rivalizaram com Deus ao
subverter os limites da vida.
O fio condutor da narrativa tem
como referência mestra Os Olhos sem Rosto
(Georges Franju, 1960), misturando-se às obsessões de Scottie Ferguson
(James Stewart) em Um Corpo que Cai (Alfred
Hitchcock, 1959) – coincidentemente, ambos são adaptações de romances dos
franceses Pierre Boileau e Thomas Narcejac. Os personagens dos três filmes,
dentre os quais A Pele que Habito, se
contorcem, se enganam, manipulam e até mesmo matam para recriar o objeto (uma
mulher) dos seus desejos. Naturalmente, no universo de Almodóvar a questão da
sexualidade sempre ganha um tratamento à parte: as barreiras que estabelecem a
diferença entre o sexo masculino e feminino são insondáveis. Em seus filmes,
essas questões nunca se restringem apenas à genitália, tampouco são reduzidas a
psicologismos baratos ou generalizações opacas. A sexualidade não é determinada
pela conformação do corpo, o desejo, que orienta boa parte dos rumos de seus
personagens (e até serviu de nome para um de seus filmes, A Lei do Desejo), não escolhe suas vítimas baseado em suas
molduras. Seu cinema é orientado pela paixão, que, assim como o desejo, é
assexuado.
Ao menos pra mim, esse filme representa
o trabalho mais elaborado e complexo de Almodóvar a respeito dessa questão.
Desde já, um de seus melhores.
Tomo emprestado a introdução do
texto do Ricardo Calil a respeito do filme pra finalizar o meu: “Existem poucas coisas mais bonitas do que
ver um artista consagrado correndo riscos. É esse espetáculo que Pedro
Almodóvar nos oferece em A Pelo que
Habito: depois de chegar ao topo da montanha, saltar no abismo – levando junto
com ele o espectador.”
Um dos melhores do ano de 2011
ResponderExcluirCumprimentos
Obrigado pela visita André. Certamente, um dos melhores do ano de 2011. Abraço.
ResponderExcluirRealmente tem muito de OLHOS SEM ROSTO...
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Embora haja inúmeras outras referências, o fio condutor da trama é o de Olhos sem Rosto, que já foi reverenciado por Almodóvar em algumas de suas entrevistas.
ResponderExcluirTengo que verla, he visto casi la mayoría del trabajo de Almodovar y no me ha decepcionado.
ResponderExcluirDavid, cada dia que passa o filme que se forma na minha cabeça fica melhor ainda. Já estou curioso pra ver o que Almodovar deve ter como projeto futuro; será que ele consegue radicalizar mais do que A Pele que Habito?
ResponderExcluirSou suspeita para falar sobre os filmes de Pedro Almodóvar, pois sou uma grande fã do seu trabalho.
ResponderExcluirA Pele Que Habito é simplesmente um dos melhores filmes do ano. Excelente!!!
parabéns pelo blog
Obrigado pela visita Película Criativa!
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